A biografia, diz um personagem do romance O Marechal de Costas (Alfaguara), é uma tentativa de retratar alguém quando só se pode ver as costas dele. Ao tentar abordar no livro o personagem de Floriano Peixoto – o solitário vice-presidente que assumiu o posto e descumpriu a Constituição que mandava convocar novas eleições –, o escritor e professor pernambucano radicado na Califórnia, nos Estados Unidos, José Luiz Passos tentou vê-lo de frente. Não através de meros eventos históricos, mas sim pela principal arma da ficção: a capacidade de imaginar, a partir de indícios (ou os contradizendo), uma vida interior, com pensamentos e conflitos.
Nas livrarias desde o final de outubro, O Marechal de Costas recebe quinta (17), às 19h, o seu lançamento no Recife, na Livraria Cultura do Paço Alfândega, com debate com Schneider Carpeggiani. Na mesma ocasião, a Mariposa Cartonera apresenta o volume com um conto do autor, Marinheiro Só, com tiragem limitada e edição artesanal feita de capas de papelão.
Na ficção histórica de José Luiz, o olhar para as figuras do passado é uma forma de entender (ou inventar) as suas motivações. E não só isso: é um caminho para traçar um perfil da formação da nossa República, que já nasceu com eleições indiretas, um vice com ares autoritários e um povo que, quando não via isso como o público passivo de um espetáculo, era duramente reprimido.
A sutileza da obra está quando ela fala do presente. Nele, as manifestações de rua e os discursos da ex-presidente Dilma Rousseff são o pano de fundo, vistas através não da vivência de uma grande figura pública, mas de uma cozinheira que talvez tenha algum parentesco com o marechal presidente. Afinal, talvez as pessoas comuns sejam os melhores protagonistas do hoje. Assim, O Marechal de Costas é uma narrativa – histórica, irônica, sensível e ensaística – sobre as nossas precárias instituições e sobre, como diz a cozinheira, “encontrar um país que não me apunhale”.
O conto Marinheiro Só, lançado em paralelo, é intimamente ligado ao romance: foi da narrativa sobre a rebelião contra Floriano e sobre a vida de um dos seus idealizadores, o marinheiro Silvino, que nasceu a ideia da narrativa maior.
Não por acaso, trechos do conto estão integralmente no romance. Publicado na edição da revista Granta sobre o tema da traição, mergulha na revolta de Silvino, que exigia o cumprimento da lei e a realização de novas eleições – o vice-presidente só poderia assumir em caso de morte ou impedimento –, e Deodoro da Fonseca havia entregado o cargo. Duramente reprimido, o marinheiro foi preso e morto – no entanto, como ressalta José Luiz, a eterna obra das revoluções é pelo menos nos impedir de voltar ao passado.
Depois do lançamento, o escritor ainda deve participar de outros eventos na cidade.Sexta (18), às 19h30, ele se encontra com Kleber Mendonça Filho no Cinema do Museu, em Casa Forte, para falar sobre cinema e literatura – o romance anterior de José Luiz, o premiado O Sonâmbulo Amador, aparece em uma cena do filme Aquarius. Na próxima terça (22), às 20h, participa de outro debate, no Centro Cultural Raimundo Carrero, do qual participa ainda o jornalista Schneider Carpeggiani.