José Luiz Passos conclui seu novo livro em residência na Mata Sul

O escritor pernambucano mergulhou no ambiente canavieiro para concluir sua "Antologia Fantástica da República Brasileira"
Valentine Herold
Publicado em 14/08/2017 às 13:00
O escritor pernambucano mergulhou no ambiente canavieiro para concluir sua "Antologia Fantástica da República Brasileira" Foto: Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem


O caminho até Água Preta é semelhante ao de muitos que ligam o Recife a outros municípios da Zona da Mata Sul. As plantações de cana de açúcar se sucedem, mesclando-se à paisagem cada vez mais campestre e às temperaturas um pouco mais amenas. Mas há, na chegada à Usina Santa Terezinha, uma expectativa diferente, a de se deixar entrar no imaginário que acompanhou o escritor José Luiz Passos no último mês, pois foi neste lugar que ele realizou sua residência literária e terminou, há exatos 6 dias, seu próximo livro.

A obra, intitulada de a Antologia Fantástica da República Brasileira, traz contos e ensaios que, se à primeira vista, parecem independentes, estão na verdade costurados pela mesma temática: a da República como um problema utópico, em que todos seriam iguais e teriam as mesmas oportunidades. O edifício Holiday, o martírio do Padre João Ribeiro (líder da Revolução Pernambucana); José Lins do Rêgo; um pai morto e o filho a seu túmulo; ou ainda uma usina de açúcar compõem os textos do livro, entre outras temáticas. Alguns deles já vinham sendo escritos desde o início deste ano, após o convite de seu editor Schneider Carpeggiani, enquanto outros foram criados durante a residência. “A partir das conversas com as pessoas da comunidade e da casa [onde ficou hospedado], eu reorganizei o livro para incluir mais material sobre a relação entre açúcar, literatura e Estado”, explica José Luiz.

A questão - não resolvida na opinião do autor - entre o campo e a cidade também passou a pauta sua escrita. “O livro foi mudando muito, eu finalmente tive a oportunidade de arriscar na forma literária. Dentre do tema da República como um problema, comecei a pensar a partir da Revolução Pernambucana, em 1917”, relembra. O ano de 1889, República Velha e sua crise, a Era Vargas e a república de 1989, quando o povo brasileiro elege o primeiro presidente após anos de Ditadura Militar são também citados por José Luiz. “São várias repúblicas, então notei que seria impossível fazer uma antologia histórica de todos esses tempos. A tara do ficcionista começou então a me dominar”. O livro deve ser lançado pela Cepe na próxima Fenelivro, que ocorrerá em setembro no Centro de Convenções.

A residência

Não se enganem com o uso do adjetivo “fantástica” presente no título do livro. Nem sempre a palavra é sinônima de ficção, ela pode também significar algo muito bem realizado, ou compreendido com ironia. O leitor encontrará, então, um jogo imaginário entre a fantasia e o histórico.Durante o período de sua residência, José Luiz ficou hospedado na Casa dos Ladrilhos, cuja arquitetura e vista estão à altura do bucolismo que seu nome evoca e que se encontra localizada dentro da propriedade da Usina Santa Terezinha. “Esse tempo lento, o silêncio, o jardim e o carinho das pessoas foram, aos poucos, entrando no livro”, diz. Além de ter tido a sorte de poder focar no seu processo de escrita, o pernambucano realizou visitas à usina (desativada há 20 anos), colheu material sobre os antigos operários no almoxarifado e se encontrou algumas vezes com os alunos e professores da comunidade.

José Luiz Passos inaugurou o programa de residência literária do projeto Usina de Arte, que tem curadoria do artista José Rufino e é gerida gela Associação Sociocultural Ambiental Jacuípe. O local já vinha abrigando pintores, grafiteiros e escultores no outro programa de residência, o artístico. Dividindo espaço com as plantas e as plantações de cana-de-açúcar, a céu aberto, estão as obras de arte produzias pelos artistas que já se hospedaram em Santa Terezinha. Esse universo do canavial em que o escritor ficou imerso nessas semanas não é de todo desconhecido. É que José Luiz nasceu e passou parte de sua infância em Catende, também localizado na Mata Sul, onde seu avô era químico da usina de lá. “Essas lembranças eram para mim um retiro íntimo e pessoal. Com a residência pude por isso em prática, sou muito grato”, conclui.

O resultado dessas semanas de mergulho no ambiente sucroalcooleiro não será apenas aproveitado em a Antologia Fantástica da República Brasileira, mas provavelmente também no próximo trabalho do escritor pernambucano. A expectativa agora é que a memória afetiva e a vivência dessas férias de julho do romancista, que é também professor na Universidade da Califórnia (UCLA), sejam o principal mote do próximo livro de um dos grandes nomes contemporâneos da literatura nacional.

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