Apesar de muito usada, a definição de Tom Jobim para o Brasil permanece das mais eficazes: o país não é para principiantes. Diante da tormenta que ganhou força nos últimos anos, buscar compreender o que nos aflige, a quem os desmontes políticos e sociais interessam, se torna mais urgente. Com o tema Literatura, Democracia e Liberdade, a 11ª Bienal do Livro de Pernambuco, no Centro de Convenções, abre espaço a discussões necessárias, como ficou evidente na programação de domingo (8), que fechou o primeiro fim de semana com boa presença de público. A feira segue até o dia 15.
Divulgando Faca e Livro dos Homens, edição conjunta de seus dois primeiros livros de contos, Ronaldo Correia de Brito destrinchou detalhes de sua poética com o curador da Bienal, Schneider Carpeggiani. O escritor cearense ressaltou a presença, na sua obra, do medo em suas diferentes manifestações.
“Na infância, passava as férias na casa da minha avó e, lá, havia uma área fechada, onde ficavam os objetos e o fantasma do meu falecido avô. Nas conversas, sempre havia uma atmosfera de sussurro, das histórias pautadas pelo medo. Isso me marcou”, lembrou.
O escritor lembrou ainda de sua chegada no Recife, em 1969, auge da ditadura militar, e do clima de repressão que permeava a cidade, memórias que relatou no livro Estive Lá Fora, lançado em 2012.
“Tudo era assustador. Na faculdade de medicina, o Estive Lá Fora, ambientado nesse período, talvez tenha sido a obra que tive mais prazer de escrever, mas levei algumas porradas porque na época do lançamento, em 2012, não se falava do assunto política. Hoje, talvez, a recepção fosse diferente”, pontuou.
Ronaldo contou ainda que, no próximo mês, entrega seu novo livro para edição e que o lançamento deve ocorrer em março do próximo ano. “Espero que seja minha melhor invenção”, ressaltou.
Em seguida, a escritora, pesquisadora e professora Lilia Moritz Schwarcz conversou com o jornalista Igor Gomes sobre Triste Visionário, livro sobre Lima Barreto, homenageado do evento este ano ao lado de Fernando Monteiro. A relação do carioca com os subúrbios do Rio de Janeiro e as pessoas que o habitavam, ele incluso, foi um dos temas abordados no papo.
Para a escritora, em sua escrita, Lima Barreto denuncia e ao mesmo tempo trata com afeto o aspecto caótico do subúrbio da então capital do Brasil. Dessa forma, ele traz uma visão distinta de outro grande observador da Cidade Maravilhosa, Machado de Assis.
“Muita gente gosta de me perguntar se ponho em oposição, de forma negativa, as cartografias de Machado de Assis e Lima Barreto. Não gosto dessa dicotomia, são apenas olhares para lugares diferentes. Enquanto o Rio de Janeiro de Machado de Assis é aquele do centro, Lima Barreto transita por outro caminho, o do subúrbio”, afirmou.
Autora de biografias como O Sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as Desventuras Dos Artistas Franceses na Corte de D. João e D. João Carioca, Lilia contou que, apesar de seguir uma ordem cronológica na obra sobre Barreto, fez questão de marcar os capítulos não por fatos, mas por livros e contos.
“Lima Barreto não é um personagem desconhecido. Muitos estudos profundos foram feitos sobre sua vida e obra e, por isso, busquei fazer uma biografia que partia de perguntas sobre tema que sempre me instigaram, como a questão racial”, explicou.
Pelo primeiro ano, a Bienal do Livro passou a cobrar ingressos. Apesar da mudança e de uma sexta-feira de abertura morna, o fim de semana teve boa presença do público. Alguns visitantes ressaltaram ainda que, ao contrário de outras edições do evento, a oferta de livros estava, em geral, mais acessível.
“Venho todos os anos e, desta vez, tenho achado os descontos mais vantajosos. Ainda assim – e este é um problema nacional – livros ainda são caros, o que dificulta estabelecer um hábito de leitura no país”, acredita a professora Gisele Costa.