Nos seus poemas, o escritor, roteirista e iluminador teatral paulista Marcelo Montenegro junta influências singulares: escreve, sintetiza, algo entre os versos de João Cabral de Melo Neto e o humor de Jerry Seinfeld. “Os dois me alimentam. Na minha escrita não tem diferença entre alta e baixa cultura. Gosto da síntese, do intercâmbio de formatos”, explica o autor. Seu novo livro, Forte Apache, editado pela Companhia das letras, reúne a produção poética de duas obras anteriores com um volume inédito.
É um volume que parece ter saído de uma sala de edição minuciosa, com sua seleção de imagens, citações e referências que às vezes parece acelerada e, em muitas outras, é devidamente contemplativa, como o final de um grande filme que parece ter dito tudo, mas ainda encontra espaço para uma cena bela ou melancólica. “Brinco que esse livro são minhas obras completas ‘por enquanto’. Não sei se mudei tanto desde Orfanato Portátil (2003) e Garagem Lírica (2012) até agora, acho que houve apenas um refinamento do que eu fazia. Acho que corri um pouco mais de riscos, no bom sentido, nos novos, mas sinto que todos têm uma unidade temática”, conta Marcelo.
No poema que dá título ao livro, Marcelo faz uma pequena ode à intimidade do quarto – universo sempre em expansão para um artista. Cita, lado a lado, Noel Rosa, Elvis Costello, Truffaut, Ferreira Gullar e Pascal. “A poesia vive da rua tanto quanto do quarto. E acrescento uma terceira vertente: o seu quarto é algo dentro de você, que você leva para tomar cerveja com os amigos. Todo escritor está e não está em um lugar”, pondera o poeta.
Alguns poemas são pequenas crônicas: em um, fala do encontro com o “gigante” Itamar Assumpção, santista fanático como ele. “Pequenas cenas me encantam muito, acredito no que diz Tchékhov, quanto menor algo, mais universal”, afirma. Sobre os Beatles, define no livro: são perfeição, “pirâmides egípcias de três minutos”. A música, como o cinema e a literatura, é tema constante de Forte Apache, que chega a dizer que “uma melodia linda é um milagre”. Outro poema ressalta a beleza “que as canções/ colecionam/ da gente”.
“A música e o cinema foram minhas primeiras influências literárias, surgiram como paixão antes mesmo da literatura. Lembro do impacto em mim que teve a cena de uma mulher correndo em um filme de Truffaut que vi quando novo. Até hoje tento reproduzi-la na escrita”, comenta. No ano passado, Marcelo gravou também o seu primeiro disco, Tranqueiras Líricas, fruto projeto que existe desde 2004 com Fabio Brum.
A sua poesia ainda evita os lugares sisudos demais. O humor, conta Marcelo, é uma das forma de se desviar dos “tons elevados” da poesia, do excesso de importância. “Gosto de trazer as coisas para o chão. Eu adoro o humor, sou alguém que se vende fácil para algum que tem senso de humor. A poesia às vezes é muito séria, colocar humor é importante. Mas também não vou para o lado do esculacho”, pontua o autor.
Se as referências – incluindo as literárias – são abundantes em Forte Apache, Marcelo tem uma preocupação em não torná-las formais demais, reverentes. “É algo da minha formação. Eu nunca gostei de universos muito circunscritos, dos poetas que só falam para poetas, de filmes que são feitos só para outros cineastas entenderem”, explica.
A obra conta com textos de Tadeu Sarmento, Marçal Aquino e Angélica Freitas, que comenta que “já estava na hora” de uma reedição dos poemas antigos. Mesmo quando são melancólicos, os versos de Marcelo fazem pequenas homenagens, odes às avessas. Um dos poemas ajuda a entender o sabor de tomar posse de algo a partir do afeto: “guardamos só pra gente/ o lado ruim das coisas lindas”.
Em outro poema, Institucional, Marcelo conversa com o filho pequeno, dizendo que a lua deveria estar vendo um filme. O garoto questiona: “Será que o filme somos nós?”. Marcelo responde, com um sorriso orgulhoso, que talvez seja sim. “Pergunto se ele acha/ que a lua está gostando do filme./ ‘Nossa, deve estar uma chatice.’” Forte Apache revela cenas assim, que desarmam e deslocam, sem abandonar a graciosidade.