Uma frase do escritor argentino Jorge Luis Borges é o mote para a terceira edição do Salão Internacional de Humor Gráfico de Pernambuco (SIHG): “Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve”. A relação entre cartuns, caricaturas e literatura vai dominar o evento, que terá sua abertura na próxima terça (30), às 18h, na Caixa Cultural Recife (Bairro do Recife), com 133 trabalhos de artistas de vários pontos do mundo. Os desenhos vão ficar expostos até o dia 9 de dezembro, com entrada gratuita.
“Tentamos sempre diversificar o tema. O primeiro salão discutiu o espaço da mulher no trabalho, com um júri todo feminino. Depois, em 2016, falamos dos direitos humanos – o assunto coincidiu com a candidatura de Trump nos Estados Unidos e início do movimento mundial de ascensão da extrema direita. Agora, com o edital voltado para a Caixa Cultural, pensamos em trabalhar com o diálogo com as artes. No cenários das artes gráficas, temos tido muitas adaptações de clássicos em quadrinhos, além de obras infantis e juvenis ilustradas”, ressalta o organizador do evento, o cartunista Samuca Andrade.
Os mais de cem cartuns e caricaturas escolhidos passaram por um processo criterioso de seleção: 704 inscrições foram feitas por artistas de 49 países. Todos eles concorrem a R$ 28 mil em prêmios, com o resultado que será anunciado na abertura. A decisão será feita por um júri de cinco artistas: Anne Derenne (França/Espanha), Ares (Cuba), Lorena Kaz (Rio de Janeiro), Fernandes (São Paulo) e Rafael Coutinho (São Paulo).
Conhecido como um dos grandes caricaturistas do Brasil, Fernandes vê um panorama bom do humor gráfico. “Os salões sempre surpreendem. Quando você pensa que já viu de tudo, aparece uma novidade, uma técnica diferente, um estilo diferenciado, uma ideia original”, conta. “Pelo nível dos nossos salões, o Brasil faz bonito no mundo todo.”
Para o artista, o tema da literatura caminha junto com a ilustração. “Os escritores são pratos cheios para uma boa caricatura. São grandes figuras. Um que eu gosto de desenhar e não me canso é o Ferreira Gullar. O Drummond também, o Jorge Amado nem se fala... Já reparou nas sobrancelhas do Monteiro Lobato, ou os olhos da Clarice Lispector? Isso só falando dos brasileiros”, destaca.
Na sua obra, de projetos como Morrer de Amor e Continuar Vivendo, finalista do Prêmio Jabuti, e Uma Lhama por Dia, Lorena explica que a presença do universo literário não é tão grande: ela busca dar o seu olhar para histórias do universo feminino e sobre relacionamentos. O SIHG vai ser o primeiro evento em que ela participa como jurada. “Estou lisonjeada com o convite e animada de estar com esses jurados incríveis para avaliar os trabalhos”, aponta.
Para ela, falar de afeto em um momento como o atual é essencial: “É muito difícil analisar o que torna uma pessoa mais humana, mais sensível, mas com certeza a arte está ligada ao que nos torna seres humanos e não robôs. Tanto que a ditadura tem terror e odeia a arte. Faz tudo o que pode para acabar com ela”, avalia. Atualmente, Lorena tem trabalhado com a ideia de cultura de paz. “Tenho visto muitos amigos fazerem quadrinhos sobre a ditadura, e eu queria fazer algo com um olhar positivo”, aponta.
Segundo Fernandes, o humor tem um papel importante para o momento atual, na sua função de criticar e botar o dedo na ferida. “Na minha opinião a charge tem que ser contundente e não apenas uma piadinha. Trabalho dentro de uma redação de jornal desde 1982 e passei por vários períodos, incluindo um pouco também da ditadura. Passei por momentos mornos em que a charge perdeu um pouco o sentido, e os políticos a vergonha. Mas hoje neste momento tenso a charge voltou com muita força e estou gostando delas. O contexto, no entanto, é perigoso”, avalia o caricaturista.