Show "Opinião" é uma relíquia brasileira

Crítico do JC, José Teles relembra a força e a potência de Carcará
JOSÉ TELES
Publicado em 31/01/2015 às 6:46
Crítico do JC, José Teles relembra a força e a potência de Carcará Foto: Internet


Só consegui o LP com a trilha sonora do Opinião uns 15 anos depois que o musical estreou (em dezembro de 1964). Naquele tempo sem internet, sem gravadoras que se interessassem em lançá-lo, era um disco difícil (como voltou a ser). Imagino que o relancem agora que o Opinião completa meio século. Maria Bethânia não está no disco, lançado em agosto de 1965, ao vivo, com Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Mas meu interesse inicial pelo álbum tinha a ver com Bethânia. Duas músicas foram marcantes na minha infância, aquela primeira vez que ninguém esquece. Uma foi I want to hold your hand, com os Beatles, a outra Carcará, com Maria Bethânia.

Lembro que não consegui me mexer até o final de ambas. Mas Carcará foi muito mais forte, porque I want to hold your hand não tocou tanto assim no rádio, pelo menos no Nordeste, enquanto Carcará foi um megassucesso. Com aquele vozeirão estranho para uma mulher, num tempo em que a moda era cantar pianinho, ela começava: “Carcará... lá no Sertão/ é um bicho que avoa que nem avião/é um pássaro malvado/tem um bico volteado que nem gavião...”. A voz irrompia, de repente, violenta. E termina abruptamente, com um imperativo “pega, mata e come”.

Carcará foi a canção mais marcante daquele ano. Tornou Bethânia uma estrela nacional.

 

 

O ano de 1965 foi de grandes músicas:Pedro pedreiro, de Chico Buarque, Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, e Quero que vá tudo pro inferno, de Roberto e Erasmo Carlos (naquele ano surgiram a sigla MPB e o programa Jovem guarda). Todas tocaram exaustivamente no rádio, curtidas também pelo povão – que consome a bagaceira de hoje, porque bagaceira é o que lhe é servido. Carcará foi a canção mais marcante daquele ano. Tornou Bethânia uma estrela nacional.

Voltando ao álbum Opinião, o repertório é perfeito. Abre com Peba na pimenta (João do Vale/José Batista/Adelino Rivera) e fecha com Cicatriz (Zé Kéti/Hermínio Bello de Carvalho). Entre ambas, além de canções dos compositores em cena, tem, entre outros, Tom Zé e Gilberto Assis (Desafio), Edu Lobo (Borandá), Sérgio Ricardo e Glauber Rocha (Deus e o diabo na terra do sol), Vinicius de Moraes e Carlos Lyra (Canção do homem só e Marcha da Quarta-Feira de Cinzas), Ari Toledo e Chico de Assis (Tiradentes), até Guantanamera, canção sobre um poema do cubano Jose Marti, popularizada pelo americano Peter Seeger. Um disco que não ficou datado, embora seja um reflexo de sua época, início do regime militar que só acabaria vinte anos mais tarde.

Para arrematar a história, acho que em 1980, encontrei no sebo o livrinho original do programa do Opinião. Nem recordo quanto custou. Mas não pechinchei. Paguei no ato o que o sebista me pediu por ele. Nara Leão e Zé Kéti, não ao mesmo tempo, autografaram o livrinho que levei, em 1984, para João do Vale assinar. Fui entrevistá-lo no extinto Grande Hotel, na Praça 17. Quando mostrei o livrinho, os olhos de João brilharam. Nem me deixou explicar que era para que ele autografasse. Deu uma rápida folheada e disse, tão abruptamente como Bethânia encerra Carcará: “Oxe, obrigado, este aqui é meu!”. Era o João do “pega, mata e come”, cadê coragem pra pedir o livrinho de volta? 

 

TAGS
opinião MARIA BETHÂNIA
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory