Davi Moraes e Moraes Moreira gravam um disco praticamente de pai e filho

O álbum Davi Moraes Moreira é uma parceria em família entre um dos fundadores dos Novos Baianos e seu filho
JOSÉ TELES
Publicado em 02/05/2015 às 5:56
O álbum Davi Moraes Moreira é uma parceria em família entre um dos fundadores dos Novos Baianos e seu filho Foto: Marcos Hermes/Divulgação


Moraes Moreira é um dos fundadores dos Novos Baianos, enquanto seu filho Davi Moraes foi amamentado ao som dos Novos Baianos. Portanto, nada a estranhar que o primeiro disco que os dois gravam em dupla tenha muito dos Novos Baianos. A vivência de Moraes convergiu para as memórias afetivas de Davi, e o resultado intitula-se Nossa parceria (Deck), um dos melhores discos deste primeiro quarto do ano de 2015. Coincidemente, este ano completam-se 40 anos do primeiro disco solo de Moraes Moreira, e também de sua saída dos Novos Baianos, o grupo que carregou de cores e alegria uma das páginas mais infelizes da nossa história.

O espírito de liberdade e descontração dos Novos Baianos permeia o álbum, mas como algo que pintou, surgiu naturalmente: “Eu tinha gravado duas faixas para o primeiro disco de Davi, dois chorinhos, Seu Chico e Chorinho pra você, que fizemos juntos. Coincidiu de um projeto da gente ser aprovado num edital da Petrobras para uma turnê e um disco inédito. Davi falou vamos nessa. E começamos a criar o repertório”, conta Moraes Moreira, em entrevista por telefone, do Rio, onde mora.

Os dois acharam que se bastavam, e o disco inteiro é praticamente de pai e filho, com eventuais convidados. Davi esbanjando talento em cavaquinho (que começou a aprender quando era criança), guitarra, bandolim, viola: “A gente quis esta concepção da simplicidade, e que fosse uma coisa bem baiana”, confirma Moraes Moreira, que divide a produção com Davi Moraes e Chico Neves (em três faixas participam também da produção Berna Ceppas e Daniel Carvalho).

Ele também estava com um projeto de disco solo, no qual queria revisitar a Bahia, e falando com João Gilberto recebeu uma sugestão: “Pedi a João uma música para este trabalho sobre a Bahia, e ele me cantou uma música ao telefone. Cantou mais duas vezes para que eu decorasse, é absurdo o baú de conhecimento musicais de João. Esta música acabou entrando em Nossa parceria”, conta Moraes Moreira comentando sobre uma das duas composições do disco, que não levam sua assinatura ou de Davi. Trata-se da obscura Bahia, oi Bahia, de Vicente de Paiva e Augusto Mesquita, lançada pelos Anjos do Inferno, em 1940. A outra, abre o disco, Bossa e capoeira, do lendário sambista baiano Batatinha (Oscar da Penha, 1924-1997), em parceria com J. Luna, lançada pelo Inema Trio, em 1968: “Esta quem descolou foi Davi, de um DVD que lhe dei de presente. Fiz um texto para homenagear Batatinha, que declamo no meio da música (“Um grande compositor/ era o nosso batatinha/ quantas vezes pude vê-lo/ tirar daquela caixinha/ melodias infinitas”, cita).

Um disco de um baiano eternamente admirador e grato ao frevo, Moraes Moreira complementa Bossa e capoeira com Frevo capoeira, uma homenagem a autores e tradições pernambucanas, num formato híbrido, meio frevo de trio, meio frevo-canção, mas com nostálgica letra de frevo de bloco: “Conversando com Spok sobre frevo, ele me dizia que o DNA do frevo estava no dobrado, no maxixe, na capoeira, um papo que me levou a fazer esta música. Eu conheço bem o Carnaval do Recife, o Bairro do São José, posso te levar ao lugar do primeiro Batutas”, diz Moraes, cuja obra é pontilhada por frevos. Em Frevo capoeira, ele celebra Levino Ferreira (que o pernambucano praticamente esqueceu), Nelson Ferreira e Capiba, além do clube Batutas de São José: “Se me vires de baixo pra riba/ tens o que merece/ quando ouvires o nome Capiba/ vê se não esquece/ veja lá que não é brincadeira/ sei que você é capaz/ dou-lhe Nelson e Levino Ferreira/e depois tem mais”.

Moraes revisita o clima dos Novos Baianos mais explicitamente em Só quem ama leva tombo, composta apenas por ele, um samba meio bossa nova, que lembra no andamento e na simplicidade Acabou chorare, que deu nome ao álbum homônimo. Esta parceria volta ao frevo, de Moraes e Davi, que toca praticamente tudo no disco. A exceção é uma inusitada tuba, tocada por Eliezer Rodrigues (com arranjo de Augusto Albuquerque). A parceria não é ortodoxa, tem abertura para uma saudável promiscuidade de Davi com Alvinho Lancelotti (no samba Coração a batucar), mais Carlinhos Brown e Pedro Baby (o samba bossa, no estilo Novos Baianos, Centro da saudade, que merecia uma interpretação de João Gilberto).

Nossa parceria, um funk abaianado, com sopros à Tim Maia, que fecha o disco, recebe o maior numero de participações. O trombone de Marlon Sette, o baixo de Alberto Continentino, bateria e tumbadora de Cesinha. O disco chega às lojas antes do lançamento oficial, que só acontece em junho, em São Paulo. Até lá, David e Moraes ensaiam. Enquanto isso, Moraes Moreira prepara-se para tomar posse, no dia 19 de maio, na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, que tem sede em Santa Teresa, Zona Sul carioca. Ele vai ocupar a cadeira que pertenceu ao pernambucano (de Bezerros) Manoel Monteiro da Silva, falecido no ano passado e considerado um dos mais importantes nomes da história do cordel.

Leia a matéria na íntegra no Jornal do Commercio deste sábado (02).

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