Ousadia é a marca da cantora Duda Brack

Nascida no Rio Grande do Sul e vivendo no Rio de Janeiro, intérprete lança o álbum É, com repertório de compositores da nova geração da MPB
JOSÉ TELES
Publicado em 12/05/2015 às 6:30
Nascida no Rio Grande do Sul e vivendo no Rio de Janeiro, intérprete lança o álbum É, com repertório de compositores da nova geração da MPB Foto: Flora Pimentel/Divulgação


As mudanças na música popular vêm em ondas como o mar, porém em décadas. Em 1965, foi a geração da MPB, em 1975, cearenses, pernambucanos, paraibanos invadiram o “Sul Maravilha”. Já em 1985, o Brock, enquanto em 1995, o manguebeat abriu as porteiras para uma outra turma. A cadeia foi quebrada em 2005, com o mercado em crise, música como fragmentos espalhados pela internet. Passaram-se duas décadas e a poeira começa a assentar. Mais renovação aponta no horizonte, como uma jovem cantora que faz música de qualidade, mas sem maiores referências dos medalhões.

A liberdade promovida pela quase ausência de gravadoras permite ousadias e riscos, como faz uma gaúcha de 21 anos, chamada Duda Brack. Ela acaba de lançar um disco de canções difíceis para os tempos atuais. Até os 1980, era comum um Milton Nascimento lotar um ginásio de esportes com 15 mil pessoas, a maioria de estudantes, hoje privilégio de pagodeiro ou dupla sertaneja, com suas canções de harmonias pobres, ornamentadas por letras de rimas ricas. É foi o título escolhido para o álbum de Duda Brack, disponibilizado gratuitamente no site da cantora.

Ela veio de Porto Alegre juntar-se a uma geração que se delineia na música pop do Rio, onde, desde a Los Hermanos, no final dos anos 1990, não surge cantor ou grupo de alcance nacional. Em 2013, foi intérprete de Because ousa (Dani black e João Guarizo) vencedora do Festival da Canção Brasileira, em Minas. Uma vitória tão ignorada quanto o festival, que existe há mais de 30 anos. Com Duda Brack estão, entre nomes como o citado e elogiado cantor e compositor Dani Black, ou Bruno Giorgi, que é músico e produtor. Giorgi assina as produções do dois últimos discos de Lenine (o pai dele); em É cuidou da produção, gravação, mixagem, masterização e parte dos arranjos. O irmão dele, João Cavalcanti (do Casuarina), sugeriu os músicos que tocam com Duda Brack: Gabriel Ventura (guitarra), Yuri Pimentel (da banda recifense Rua, que é primo de Bruno, sobrinho de Lenine, pois) e Gabriel Barbosa (bateria). 

Com um timbre de voz que, em momentos lembra Margot Timmens, do grupo canadense Cowboy Junkies (alguém ainda se lembra?), Duda Brack, assim como quase todos de sua geração, não tem compromissos com a MPB, não é linha evolutiva de ninguém, como a geração de Chico e Caetano, que foi devota de João Gilberto. 

Na música da gaúcha entram tantas informações que é impossível catalogar quais, e mais ainda, encaixar a artista num nicho. Uma impossibilidade que faz com que se citem vanguarda paulistana ou tropicalismo para se situar Duda Brack e os de sua geração. Eu sou o ar (Cesar Pimentel), faixa inicial, vale-se de umas harmonias com acordes caetanescos (mas não tropicalistas), mas que logo cai no rock, pop progressivo, à Radiohead, talvez.

São apenas oito faixas, com uma que se arvora a responder ao que se propõe Duda Brack e sua turma: “Cê diz que nossa canção tá sem melodia/parece dia triste de chuva/setembro sem flor/virou ladainha, é verdade/nossa bossa nova virou rock 'n’ rol/e não há Nelson Motta nem Pasquale que possa dar jeito” (Lata de tinta, de Paulo Monarco e Elio Camalle). 

Ney Matogrosso alertou para os sinais desta turma em seus show, que virou o disco Atento aos sinais, em que gravou alguns autores novos. Aqui há canções muito boas. Difícil destacar títulos: Cadafalso (Posada) que é rock e não tem nada de bossa, com uma guitarra certeira, guiada por um baixo ouriçado, ou Carlos Posada (que é parceiro de Lenine, em Carbono, novo disco do pernambucano).

É foi gravado com o básico, guitarra, baixo, bateria – a exceção é o piano de Lucas Vasconcellos, numa única faixa, Dez dias (de Dani Black, que participa cantando). 

Não é um disco transgressor, que vá transformar a música nacional. É peça de um bloco que a está mudando. Interpretação, música e letra são carregadas de informações novas, de uma turma que cresceu bombardeada pelos mais redundantes e descartáveis gêneros e subgêneros que já dominou gravadoras, rádios e TV no País. Foi salva pela internet, que incentivou e facilitou a busca pelo diferente; foi à luta, sem pedir licença e chega agora, como Duda Brack nesta instigante estreia. Se não der certo, será como ela canta na faixa A casa não cairá (Caio Prado): “Se todo artista for puta de esquina/ se meu cachê/for dez real/ a casa não caiu/ a casa não caiu, a casa não cairá”.

TAGS
Disco cantora gaúcha MPB
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory