Rei das músicas de duplo sentido, Zenilton está de volta a Salgueiro e faz "desomenagem" ao caso Petrobras

Clássicos do gênero, como Só campim Canela, Milho Cru e Vitamina D foram eternizadas na voz do sertanejo
Emanuel Andrade
Publicado em 22/09/2015 às 19:36
Clássicos do gênero, como Só campim Canela, Milho Cru e Vitamina D foram eternizadas na voz do sertanejo Foto: Foto: Fabiano Veras/Especial para o JC


Lá pelos anos 70 e 80, era comum se ouvir nas emissoras de rádio do Norte e Nordeste, canções de duplo sentido, com nomes e letras cheio de pitadas de humor. Milho cru, Gozar a vida, O gato da Rosinha,  Picada de Barbeiro, Na lua vai ser assim, O modo de usar (Só capim, canela), A velha debaixo da cama e Vitamina D são alguns exemplos. Todas eternizadas na voz do cantor e sanfoneiro José Nilton Veras, que foi batizado pelo nome artístico Zenilton. Depois de meio século morando em São Paulo, o artista já fez o caminho de volta para casa: Salgueiro, no Sertão Central, onde além de continuar tocando e compondo, abraçou a arte de confeccionar gaiolas e cultivar diversas espécies de frutíferas na sua casa, ao pé da Serra do Cruzeiro, um dos cartões-postais da cidade sertaneja, a 518 quilômetros do Recife.   

Quando saiu do Sertão ainda jovem para tentar a sorte no "sul maravilha",  a primeira parada foi o Rio de janeiro, por influência de amigos e das rádios. "Precisava de contatos com os nordestinos que já estavam lá como Zé Gonzaga, Marinêz e Luiz Gonzaga. Por intermédio deles fui entrando devagarinho. Mas a carreira se consolidou mesmo em São Paulo, onde morei por mais tempo,  o resto foi pelo mundo a fora", diz Zenilton, que gravou 42 LPs, contabilizando cerca de 650 músicas, a maioria registrada pelos selos Copacabana, Chantecler  e CBS.

No auge da carreira, quando rodava o Brasil, o cantor foi convidado até para mostrar seu talento  na Venezuela. "O povo de lá é tudo doido por sanfona e xamego, pode juntar paraguaios, venezuelanos e  argentinos pra ver a bagaceira", conta. Nessa fase, Zenilton já tinha feito shows em eventos ao lado de Ângela Maria (na inauguração do viaduto do Gasômetro, em São Paulo), Altemar Dutra, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Adolfo Alves e Raul Gil. Segundo o artista, nesse tempo não era forró, como sempre batizavam. "Tinha baião, frevo, samba canção e até maracatu pernambucano dos bons", lembra.

Quando ia fazer shows, o repertório estava sempre recheado de canções do Rei do Baião, Luiz Gonzaga . "Uma vez Gonzagão por quem tinha muito respeito, pediu que eu decidisse por um estilo. "Fizemos muitos shows em circo e em um grande evento numa fazenda  só  cantei  músicas dele no espaço lotado. Quando acabei o show, ele me deu uns tapas porque  tinha cantado os clássicos dele. Foi quando decidi pelo meu estilo com apoio do Rei", conta Zenilton.

Trabalhar músicas de duplo sentido na época,  era o "que dava pé", vendia bastante.Só tinha de ter cuidado pra não levar as tesouradas da censura dos militares. "Fui o que mais vendeu o velho LP pelo selo Copabacana, porque as canções de humor caiam no gosto popular tendo Genival Lacerda como anfitrião", diz. Na sua trajetória, Zenilton também se diz o rei da vaquejada por ter gravado um disco do gênero no começo dos anos 60. Com todo esse perfil, já no final dos anos 90, foi surpreendido pelo convite dos integrantes de Os Raimundos que queriam que ele participasse de um disco da banda de rock.

"Eles queriam  gravar uma música minha no gênero deles. Aí liberei uma das  mais estouradas, Rio das Pedras. Foi muito bom , uma boa baderna e eu lá matuto metido no rock", brinca Zenilton. Só que ele diz que pra onde fora não pode deixar seus instrumento que é sua banda. "A sanfona é a minha alegria, é aqui que desabafo minhas tristezas, os problemas que aparece. É  minha casa, meu salário, meu carro pra passear, eu gosto tanto d’ela que dorme comigo, é minha mulher, é tudo", diz.

CANÇÃO DE PROTESTO

Falar dos problemas políticos do país nem sempre foi a praia de Zenilton. Depois que se instalou no pé da Serra, em sua terra natal, decidiu por sossego. Mas de tanto ver os telejornais,  se irritou e acabou buscando inspiração para compor uma sátira, como ele diz, numa "desomenagem", uma canção de protesto aos escândalos recentes e compôs os Ladrões da Petrobras.

Com apoio do primo, guitarrista da banda Quarto B, Fabiano Veras, produziu um vídeoclip da canção e despachou na internet, ganhando  milhares de acessos. "Essa música nasceu de uma tacada só, não dá pra gente ficar calado. O compositor é a antena da raça das coisas ao seu redor. Não mais pra engolir esse lamaçal. E olhe que estou longe de Brasília, na poesia do sertão, mas não resisti em denunciar também através da música. O Brasil precisa se aprumar antes que se acabe". Na vida sertaneja que abraçou, não tem mais pressa. Longe da Selva de Pedra de São Paulo, vive da natureza da caatinga, faz shows quando descola contratos e vai embolsando seus direitos autorais.

"O que aparecer, caiu na rede e é peixe. Tudo aconteceu como pedi a Deus, foi ate demais. Se fosse pra recomeçar faria tudo de novo, mas não ia arrancar dentes do povo como pai queria que eu seguisse a carreira dele", completa.

 

Diz a letra:

 

Os Ladrões da Petrobras


"Quem roubou roubou, não devolve mais

Pra onde foi o dinheiro roubado da PETROBRAS (BIS)

 

Tá na Suíça depositado?

Tá no Japão? Tá bem guardado

E o desonesto, tá sossegado

Esse dinheiro ninguém vê mais

Os ladrões roubaram todo dinheiro da PETROBRAS

 

Quem roubou roubou, não devolve mais

Pra onde foi o dinheiro roubado da PETROBRAS (BIS)

 

O INSS faz tempo que está quebrado

Está passando fome o aposentado

O homem desonesto não tem razão

E diz pra todo mundo que é cidadão

Ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão

 

Quem roubou roubou, não devolve mais

Pra onde foi o dinheiro roubado da PETROBRAS (BIS)"

 


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