O adeus e as permanências do Fellini

Fundada em 1983, banda paulista encerrou suas atividades mas deixa influências
GGabriel Albuquerque
Publicado em 27/04/2016 às 8:33
Fundada em 1983, banda paulista encerrou suas atividades mas deixa influências Foto: Foto: Divulgação


Na década de 1980, o rock atingia o ápice de popularidade no Brasil. Em 1985, o País recebia na primeira edição do Rock In Rio a visita de astros mundiais como Ozzy Osbourne, AC/DC,Queen, Iron Maiden. Deixando para trás 21 anos de ditadura militar, 300 mil pessoas acompanhavam – com esperanças e incertezas – Cazuza no desejo de um dia por nascer feliz.

Se a maior parte desta geração do chamado BRock envelheceu mal, outros ainda são influência latente na música brasileira de hoje. Um destes casos é o Fellini, que no começo de abril fez uma série de três esgotados shows em São Paulo para marcar o encerramento da banda. Por coincidência ou não, um mês antes a cantora Céu ainda prestou homenagem ao grupo ao regravar Chico Buarque Song em seu novo álbum Tropix.

“O Fellini é criado em 1983, 1984, na época em que começam a pipocar bandas do movimento pós-punk em São Paulo”, relembra o vocalista e letrista Cadão Volpato. “Era um tempo muito estranho. O Brasil estava mergulhado numa ditadura que já ia desmilinguindo. Lembro que o general Figueiredo falava que preferia o cheiro de cavalo ao cheiro de gente. O rock nasce nesse centro melancólico, uma cidade dura com as pessoas. E a juventude querendo fazer algo”.

Neste movimento estavam grupos mais cults (Mercenárias; Akira S e as Garotas que Erraram; Agentss; Muzak, Azul 29) e outras que alcançaram o grande público (Ira!, Titãs). Para Cadão, este grupo artístico possuía “algo muito intenso”: “Sobrou do punk essa energia vital, essa coisa meio explosiva e que acho libertadora”, observa.

Num desses últimas shows em São Paulo, eles tocaram na íntegra no palco do Sesc Belenzinho o clássico Amor Louco (1990), disco que marcou a aproximação do rock alternativo com a bossa nova, samba e timbres eletrônicos. Fora de catálogo, o LP já foi citado como influência por Fred Zeroquatro, Chico Science (que fez shows com repertório do Fellini e regravou a música de Cadão, Criança de Domingo em Afrociberdelia) e Marcelo D2. É marca notória também o samba frio e insólito de Romulo Fróes e Passo Torto.

Jorge Du Peixe, Chico Science, Stela Campos e Dengue com o LP 3 Lugares Diferentes no calçadão da Av. Boa Viagem, em foto promocional do show Chico Science canta Fellini. A apresentação aconteceu em 1994 como parte do projeto Rec-Beat Unplugged, que convidava bandas para interpretarem músicas de seus ídolos. Foto: Adriana Fritzen/ Reprodução internet

“Acho que a novidade não era exatamente incorporar o samba. Os Novos Baianos, Mutantes, muita gente já fez isso”, ressalta Cadão. O que o Fellini tem é um conjunto de excentricidades. A gente trata a poesia como poesia. Nunca fiz uma letra que não tivesse um pedaço de mim de alguma forma. Não é algo biográfico, mas a liberdade poética que me pertence. Uma junção de esquisitices que provam que você pode fazer algo com muita liberdade – mesmo que pague um preço por isso e, como a gente, nunca chegue ao mainstream”, argumenta.

De toda forma, o Fellini atravessou gerações e sua música permanece. “Acho que o mais importante de tudo é fazer algo bonito. Canções com melodias que perduram e que não dizem coisas fechadas, mas abrem novos universos de entendimento e estão muito mais próximas da poesia. A gente também usava bateria eletrônica, sintetizadores e ninguém sabia tocar – mas tocava. Reunimos elementos que são meios perturbadores, da própria arte mesmo, e que perduram”, conclui.

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