O canto difônico da Mongólia (ou throat-singing) é uma variante particular dos diversos tipos de cantos harmônicos praticados popularmente na Sibéria, Mongólia e Tuva. Registrado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como Patrimônio Cultural da Humanidade, esta forma de cantar é constantemente reconhecida dentro de um viés puramente folclórico, musicológico ou antropológico. A cantora Sainkho Namtchylak, porém, quebra estes engessamentos: sua arte respira vida e beleza sem cair na vala dos exotismos simples.
Like a Bird or Spirit, Not a Face, o novo álbum de Sainkho, é sobre a força imanente da memória e do afeto. É também um encontro de ancestralidades. O disco tem participação de Said Ag Ayad e Eyadou Ag Leche, da banda Em parceria com os tuaregs, a cantora deixa de lado sua abordagem experimental eletrônica e abraça a tradição de seu país – Tuva, uma divisão da Federação Russa, na divisa com a Mongólia. Não se trata de uma reivindicação do “verdadeiro” ou de uma “essência”. É uma forma de contemplação do mundo que nos cerca – e a iminente fragilidade do ser humano diante da imensidão da natureza.
O tema já atravessava a obra de Sainkho há um bom tempo. “Tudo chegará a um fim. Você continuará a ser uma estrela ainda não descoberta por ninguém”, diz uma de suas máximas mais conhecidas. Agora, de peito aberto, ela canta em The Road Back: “Tudo virá ao fim/ Depois das longas estradas,/ Aqui está/ O lugar no qual nasci/ O lugar da minha infância”. Em Worker Song (Nomads Dance Around the Fire), a música é levada apenas pela percussão marcante de tambores. Sainkho então se joga com vocalizações harmônicas (quando cria-se mais de uma melodia ao mesmo tempo), explorando a garganta numa expressão da ordem do inconsciente e do transe. O disco encerra com Nostalgia To, um lamento pessoal e político. Saikho resigna-se num acalanto doido a todos os refugiados, de todo mundo: “Estou ficando cansada, estou ficando faminta/ Do fundo do meu coração eu sinto saudades do meu lar/ Eu gostaria de ver a minha casa uma última vez”.
Seja em mongol, em inglês, ou com sons indefinidos extraídos da garganta, a mensagem é tocante, potente e atravessa todas as fronteiras do globo. A própria Sainkho toca no assunto, ainda nas notas do encarte. “Música é uma linguagem muito universal. Nestes dois mágicos dias, conheci lindos músicos da África. Era uma honesta conversa musical entre corações, é só o que lembro. Eu posso dizer para mim mesma: a beleza da natureza é infinita, como as melodias da humanidade. O coração aberto é a nossa conexão”.