Solange Knowles encontra sua sublimação no ótimo A Seat At The Table

Terceiro disco da artista americano é um dos melhores do ano
Márcio Bastos
Publicado em 01/10/2016 às 9:00
Terceiro disco da artista americano é um dos melhores do ano Foto: Reprodução


Há cerca de uma semana, Solange Knowles, através de seu site, convidou 86 fãs a se juntarem a ela para uma noite especial. Sem maiores detalhes, garantiu-lhes “um lugar à mesa”. Sem lançar material inédito desde 2011, a irmã mais nova de Beyoncé logo levantou suspeitas de um novo álbum. Alguns dias depois, ela anunciou o lançamento de A Seat at The Table, seu terceiro disco, disponibilizado ontem nas plataformas digitais, mas apresentado em primeira mão para os fãs premiados, que receberam ainda um livro homônimo com as letras das canções apresentadas em forma de poesia concreta. Introspectivo, o álbum é uma celebração da resiliência, maturidade e do orgulho negro. 

Assim como Janet sempre foi comparada a Michael Jackson, Solange, inevitavelmente, viu seu nome e seu trabalho associado ao da sua irmã, Beyoncé. Quando lançou seu primeiro disco, Solo Star (2003), aos 17 anos, Beyoncé já era uma estrela junto ao grupo Destiny’s Child. Com a recepção morna do álbum, associada à gravidez de seu primeiro filho, a caçula do clã Knowles passou a se dedicar à composição, escrevendo para outros artistas.

Em 2008, surpreendeu com o lançamento de Sol-Angel and the Hadley Dreams, disco com influências da Motown e da disco music, composições maduras e sem o polimento associado às estrelas pop. Abraçada pelo público indie, ela se tornou um símbolo do r&b alternativo com True (2011), EP em parceria com Dev Hynes (Blood Orange) com ecos do r&b e hip hop dos anos 1980, inspirando futuramente inclusive sua irmã, que já expressou publicamente o quanto Solange a influenciou a abraçar os riscos artísticos em detrimento da garantia de sucesso comercial, atitude que gerou os aclamados Bey0ncé (2013) e Lemonade.

Ativista dos movimentos negro e feminista, Solange tem sido uma porta-voz contra as injustiças do racismo institucional nos EUA e, em A Seat at The Table, ela abraça suas experiências e a do seu povo para criar uma obra que, segundo ela, é um processo para a cura, uma jornada de autoafirmação.

O disco, que demorou cinco anos para ficar pronto, foi finalizado no dia 21 de junho, três dias antes do aniversário de 30 anos da cantora. Delicado, introspectivo e incisivo, o disco, de fato, soa como resultado de um processo de autodescoberta e amadurecimento. 

As faixas iniciais, Rise e Weary, tratam da linha tênue entre a percepção e o tratamento da sociedade em relação aos indivíduos, especialmente os socialmente vulneráveis, e a necessidade de se ressaltar e exaltar suas especificidades. Where Do We Go, Don’t Touch My Hair e Don’t You Wait aprofundam essas questões.

O álbum é permeado por um sentimento de raiva que, ao invés de apresentado com virulência, como no caso de Beyoncé em Lemonade, é aqui expressada com um senso de calma, mas não conformidade. Como se, após muito refletir sobre as injustiças que afligem os negros e as mulheres, ela percebesse que se organizar, amar seus semelhantes e lutar por uma sociedade igualitária deve ser resultado também de um processo interno de libertação da raiva. Porque minar o amor próprio e a autoestima das minorias é uma grande ferramenta dos opressores.

Em Mad, com Lil’ Wayne, ela fala sobre os sentimentos destrutivos do preconceito e o sentimento de raiva que provoca nas comunidades afroamericanas. “Me perguntam por que estou sempre com raiva? Eu tenho muito do que ter raiva, mas não tenho permissão de sentir isso”, canta. Acompanhados de um piano, seus versos soam como orações. A faixa é precedida por um interlude com depoimento do pai dela Mathew Knowles sobre como a segregação racial experienciada durante sua infância e adolescência criaram nele uma revolta que o consumiu por anos.

Sem hits radiofônicos e desprendido de rótulos sonoros, A Seat at The Table dialoga com outros discos recentes na documentação da experiência dos negros nos Estados Unidos, como Blonde, de Frank Ocean, Lemonade e To Pimp a Butterfly, de Kendrick Lamar, em um momento em que muitas feridas abertas são explicitadas em busca de uma cicatrização definitiva. Com o álbum, Solange se coloca como uma das porta-vozes desse movimento e uma das artistas mais interessantes da atualidade. 

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