A norueguesa Maja S. K. Ratkje é notória pelas explorações vocais intensivas que realiza tanto no campo da improvisação livre – com o quarteto Spunk – quanto na seara da composição, inspirando-se nas harmonias espectrais para ir além dos 12 tons da escala temperada. É o caso da série Concerto For Voice e de Voice (2002), seu primeiro álbum solo.
Em Crepuscular Hour, seu novo disco, a musicista eleva a experiência a um patamar de maior densidade e renova os procedimentos da reconhecida, e por vezes tão defasada e impotente, “música erudita contemporânea”. A estrondosa peça é escrita para três coros, três pares de “noise musicians” com guitarras e pedais eletrônicos de distorção, e mais um órgão de igreja a ser executado em uma catedral, com os músicos cercando a plateia. A música foi originalmente comissionada para o Ultima Festival, em 2010, em Oslo, e dois anos depois foi adaptada para uma performance em Huddersfield, com a ideia de ser uma instalação gigantesca de luz e som, resultando em um álbum e um DVD lançados pela Rune Grammofon.
O mote temático é o fenômeno dos raios crepusculares, ou seja, raios de luz solar que parecem irradiar a partir de um único ponto no céu e fluem por aberturas nas nuvens. “Há muito tempo sou fascinada pelo fenômeno em que a luz quebra obstáculos e cria feixes no ar através das folhas das árvores, das nuvens etc. Muitas vezes é no alvorecer ou no crepúsculo. E tem uma ligação mitológica na história e o aspecto religioso também é parte disso, claro, já que este fenômeno tem sido ligado à ascensão e retorno dos deuses – daí o termo folclórico ‘Luz de Jesus’”, conta Maja em entrevista por e-mail.
“Eu pensei que a luz crepuscular poderia ser apresentada como uma janela crepuscular do tempo no meu trabalho de uma hora em que a realidade está em questão. A peça é encenada com iluminação como uma parte essencial da experiência. Usamos três coros e seis músicos de noise, além de um órgão de igreja que entra os últimos 15 minutos da obras. O público pode se movimentar no centro da encenação – eles podem sentar-se no chão ou experimentar diferentes posições de escuta”, explica.
Dividida em três partes, a peça tem ares de uma liturgia pagã, com os coros vocais formando vórtices sonoros hipnóticos. Uma atmosfera meditativa, mas também dramática. “O som do órgão definitivamente refere-se a algo cerimonial ou litúrgico, mas não deliberadamente”, comenta a compositora, que ressalta o material textual do álbum e sua proposta de uma versão alternativa do cristianismo primitivo.
“Todos os textos são da Biblioteca de Nag Hammadi, uma coleção de treze livros antigos contendo mais de cinquenta textos que foi descoberta no alto Egito em 1945. Esses textos têm proporcionado uma grande reavaliação da história cristã primitiva. Eu escolhi fragmentos de texto que tocam a origem do mundo e dos seres humanos. A divindade feminina está no comando. Por conta própria, ela cria uma régua para o mundo material que acaba por ser uma besta:; ‘E seus olhos eram como fogos relâmpago’. Então, sua divina prole Sophia (Sabedoria) cria um ser humano andrógino a partir de uma gota de luz”, detalha Maja Ratkje.
“Em Crepuscular Hours, nós estamos na origem do mundo com textos que descrevem tanto caos e consolidação. Após isso, Sophia chama as pessoas da Terra de hoje, tentando ensinar-nos como a desigualdade ainda cria escuridão e guerra”, conclui.