Maior premiação da indústria musical, o Grammy reuniu grandes artistas, domingo (12), no Staples Center, em Los Angeles. Dois nomes, porém, reinaram absolutos na noite: Adele e Beyoncé. A britânica levou os cinco prêmios aos quais estava indicada, incluindo Álbum do Ano e Música do Ano. Já a cantora de Houston, cujo álbum visual Lemonade é considerado uma obra-prima da experiência afro-americana e levou dois dos nove troféus pelos quais concorria, fez poderosa performance enaltecendo a maternidade (está grávida de gêmeos) e o sagrado feminino.
Lançado em novembro de 2015, 25, terceiro álbum de Adele, estreou batendo vários recordes: apenas na primeira semana, nos EUA, vendeu mais de três milhões de cópias. Em um ano, vendeu mais de 20 milhões, tornando-se um dos álbuns mais comprados da história. Isso sem ser disponibilizado em plataformas de streaming. Esses números consolidaram a cantora britânica como o grande nome da indústria musical (principalmente em termos de rentabilidade) e, talvez, sejam o principal motivo de sua vitória arrasadora no Grammy.
Apesar de ser um bom disco e do seu sucesso mercadológico, 25 não teve o mesmo impacto de Lemonade, álbum que marca um ponto de virada na carreira de Beyoncé por suas experimentações sonoras e cuja temática relacionada à vivência dos negros, com seu teor político e antirracista, inspirou importantes debates. Indicada em nove categorias, a americana só venceu as de Melhor Vídeo de Música, por Formation, e Melhor Álbum Urbano Contemporâneo.
A escolha de Adele nas principais categorias estava em consonância com a política da premiação, nos últimos anos, de prestigiar não necessariamente os álbuns mais impactantes, mas aqueles que parecem dar sobrevida à tradicional forma de dar dinheiro às gravadoras, ou seja, através das vendas de álbuns físicos ou digitais, sem streaming, o que ajuda a explicar também o fato de Taylor Swift ter vencido ano passado com 1989 ao invés do rapper Kendrick Lamar, que concorria com o já icônico álbum To Pimp a Butterfly. Swift, inclusive já havia levado o prêmio em 2010, com Fearless, batendo Beyoncé, com o I am...Sasha Fierce.
Essa tendência já levantou muitas críticas à premiação, inclusive de Frank Ocean, que não foi ao evento alegando que ele não reconhecia a qualidade das obras e menosprezava o trabalho de artistas negros, reflexo do racismo endêmico que domina a indústria e a sociedade americana como um todo.
A própria cantora pareceu reconhecer isso e se mostrou desconfortável ao ganhar o prêmio máximo da noite, Álbum do Ano, oferecendo a honraria à Beyoncé. A cantora inclusive quebrou seu prêmio, em momento de descontração, para dividi-lo com a diva.
“Não posso aceitar esse prêmio. Estou muito agradecida, mas a artista da minha vida é Beyoncé, e este álbum, para mim, o Lemonade, foi tão monumental e tão pensado, bonito e revelador (...) Todos nós artistas te amamos, você é nossa luz e a forma como você fez a mim e meus amigos nos sentirem, meus amigos negros, é empoderador”, disse Adele em seu discurso, levando Beyoncé às lágrimas.
Mais cedo, Beyoncé fez uma performance impactante das músicas Love Drought e Sandcastles, centrando a apresentação em torno da questão da maternidade, de símbolos ligados às religiões africanas, e do sagrado feminino. A cantora, que está grávida de gêmeos, foi apresentada por sua mãe, Tina Knowles, que também apareceu nas projeções no palco, ao lado da primogênita da cantora, Blue Ivy.
“Obrigada aos votantes do Grammy por essa honra incrível, e obrigada a todos que trabalharam duro para capturar de um jeito tão lindo a profundidade da cultura do sul do país. Todos nós vivemos dores e perdas e frequentemente nos tornamos inaudíveis. Minha intenção para o filme e para o disco era criar um trabalho que desse uma voz para nossas dores, nossas dificuldades, nossa escuridão e nossa história, para enfrentar questões que nos deixam desconfortáveis. É importante para mim mostrar imagens para meus filhos que sua beleza, para que eles cresçam em um mundo em que, quando eles olharem no espelho, primeiro por suas famílias, assim como no noticiário, no Super Bowl, nas Olimpíadas, na Casa Branca, e no Grammy, vejam eles mesmos. E não tenham dúvida de que eles são lindos, inteligentes e capazes. Isso é algo que eu quero para cada criança de todas as raças, e eu acho vital que aprendamos com o passado e reconheçamos nossa tendência de repetir nossos erros”, disse Beyoncé ao ganhar Melhor Álbum Urbano Contemporâneo.
Apesar do que era esperado, o tom político não dominou o Grammy. Katy Perry, que apresentou seu novo single, Chained to the Rhythm, ao lado de Skip Marley, foi uma das que mais alfinetou o presidente Donald Trump. A canção fala sobre alienação e, na performance, Katy apareceu atrás de uma cerca que ia aumentando até deixar o cenário invisível. As cercas, depois, se transformam em espelhos e, ao final da performance, ficou em frente a projeção com trechos da constituição dos EUA, em que se lê “nós, o povo”. “Sem ódio”, gritou ao final.