Crítica: Em 'Lust For Life', Lana Del Rey canta o amor na era Trump

Cantora dá tom político e poético ao seu novo álbum, que tem participações especiais
Márcio Bastos
Publicado em 01/08/2017 às 14:47
Cantora dá tom político e poético ao seu novo álbum, que tem participações especiais Foto: Reprodução


Em 2017, o mundo é assombrado por recessões, conflitos bélicos, intolerância, Trump, Temer e outros tantos símbolos que, cada um à sua maneira, evocam sensações coletivas de desilusão. Nesse cenário, Lana Del Rey, que desde 2011 corporifica o espírito ennui de um geração globalizada, conectada e, ainda assim solitária, sempre olhando pelo retrovisor, nos diz que, quando o mundo está em guerra, precisamos continuar a dançar. Essa inesperada dose de otimismo da mulher que ficou notória por cantar amores problemáticos, quase masoquistas, e que parecia desconectada com o entorno, construindo um universo particular, é uma das grandes surpresas de Lust for Life, quinto álbum da americana. Porém, não é a única.

A figura de Lana Del Rey é polarizadora desde seu surgimento, em 2011, com Video Games, considerada a música daquele ano por muitas publicações quando a artista ainda era uma interrogação. Ao aparecer com os lábios preenchidos por botox, estética retrô, que ela chegou a definir como uma “Nancy Sinatra gângster”, a lua de mel acabou. O personagem criado pela cantora Elizabeth Grant foi apontado como mais um produto manufaturado e a avaliação de sua música, em especial o ótimo primeiro disco Born to Die (2012), não passou incólume a essa perspectiva.

O que os trabalhos posteriores Ultraviolence (2014), Honeymoon (2015) e agora Lust for Life conseguiram mostrar é que, sim, Lana é menos uma máscara do que um catalizador de ideias de sua intérprete, que parece aproximar cada vez mais criador e criatura. Hoje, a questão de autenticidade e agenciamento já são secundárias à música, que fala mais alto.

Ao explicar o processo de criação de seu novo álbum, Lana afirmou que este seria um álbum para os fãs, uma vez que seus discos anteriores eram uma imersão quase completa em suas experiências amorosas.

PAIXÃO PELA VIDA

Famosa pela frase “queria estar morta”, dita em uma entrevista em 2014, Lana agora tem fome de viver, como indica o título do novo trabalho. Como uma atitude política, ela decidiu que estar presente é um ato de resistência. Essa mudança de perspectiva acompanha todo o disco que, no entanto, se mantém 100% Lana. Na capa, pela primeira vez, a intérprete é clicada sorrindo.

O disco abre com Love, na qual canta para as “crianças descoladas” sobre como o peso do cenário político. “Não se preocupe, baby”, canta quase como um mantra. A faixa-título, parceria com The Weeknd, explicita sua capacidade de criar imagens simples, mas impactantes, como a de dois amantes dançando no H do letreiro de Hollywood, etéreos e prontos para devorar o mundo e a si mesmos.

Lust for Life se aproxima de Born to Die ao explorar melodias dos anos 1950 e 1960 e também abraçar o hip hop, a exemplo de Summer Bummer e Groupie Love, ambas parceria com o rapper A$ap Rocky. Coachella – Woodstock In My Mind poderia ser um hino para a geração que idolatra o passado em seus filtros e textos de Instagram.

God Bless America – And The Beautiful Women In It e When The World Was at War We Kept On Dance são as faixas mais políticas do álbum, uma afronta ao estado de terror do mundo. Há uma esperança quase calorosa na voz da cantora. É interessante perceber que os símbolos ligados aos EUA que sempre permearam a poética de Lana, como carros, postos de gasolina (que aparecem retratados no encarte do disco) e personagens que aparentam ser algo que não são, agora são vistos com uma perspectiva quase crítica.

A Califórnia hippie, idolatrada pela nova-iorquina surge na ótima Tomorrow Never Came, dueto com Sean Ono Lennon. A balada folk Beautiful People, Beautiful Problems, parceria com Stevie Nicks, é o ponto alto do disco, uma faixa que poderia ter saído direto de um disco do Fleetwood Mac, ao mesmo tempo em que pertence por excelência à discografia de Del Rey. “Meu coração é frágil, meu passado é pesado”, cantam. Em Lust for Life, Lana nos lembra que nada está bem, mas tentar ainda é a melhor solução.

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