Em Aquele Disco Massa (2015), Graxa já havia lançado um olhar cínico e irônico sobre políticas culturais e as tais cenas musicais – em que, como ele cantava, a cada nove pessoas do recinto, 11 são músicos ou jornalistas”. A Concorrência é Demais, seu terceiro álbum, segue a trilha aberta pelo trabalho anterior.
“Esse trampo acabou sendo uma continuação dos outros trabalhos. Ele conta a história de um personagem que conhece a área externa da música, percebe que dá merda, que não é aquilo tudo que ele imaginava e volta pra casa”, diz o músico e compositor, batizado Angelo Souza.
Ele estruturou a sequência de músicas de forma a criar uma narrativa linear – “como uma ópera rock”, diz ele, um cronista por excelência influenciado por Cartola e Ray Davies, entre outros. A faixa-título é a constatação de que a concorrência é demais e massacrante (“São mais de 200 milhões de sucessos na internet”). Naquele Hotel Nacional evoca a melancolia dos grandes astros do rock longe de casa e da família. Personalidades do Inocoop é o momento de nostalgia, em referência ao famoso condomínio do Recife. Deepest of the Soul reflete sobre pensamentos suicidas, em direção às máximas de Neil Young (“É melhor queimar do que evanescer”) e The Who (“Espero morrer antes de ficar velho”). Hare Feito traz a vida dupla, entre o artista e a rotina de trabalho (“Eu já fui um grande hippie/ Hoje quem sabe eu me torne um torneiro mecânico”).
Este personagem do disco é autobiográfico? Ele admite que sim. Aos 31 anos, Graxa divide-se entre a música e o trabalho como torneiro mecânico na oficina de seu pai no Jiquiá, periferia do Recife, onde viveu por toda a vida. Também escreve crônicas, começou a construir móveis e passou tocar há mais de dez anos. A primeira gravação da qual se recorda é de 2004, ainda com a banda os Insights. Ele só tornou-se visível na imprensa com Molho (2013), seu primeiro disco solo. Apesar de todas as agruras de um músico independente da periferia (incluindo tocar de graça), ele continua produzindo. “Música é que nem cigarro. Você sabe que faz mal, mas quando vê já tá fazendo de novo”, compara.
A capa de A Concorrência é Demais é um destaque à parte. A arte adaptou o icônico Operários, de Tarsila do Amaral, com rostos dos mais diversos artistas e personalidades pernambucanas: de Miguel Arraes, Samir Abou Hana, Graça Araújo, Palhaço Chocolate, Jota Ferreira e Paulo Freire até Rogê, Neco Tabosa, Paulinho do Amparo e Evandro Sena (criador do Iraq, bar que foi palco dos primeiros shows de Graxa, Juvenil Silva, Aninha e outros de seus contemporâneos).
“Se olhar ali você vai ver que tá todo mundo misturado. O reconhecimento de quem está ali vai de você pesquisar. Uma das coisas mais fera que tem é quando um escritor cita outro escritor. Eu particularmente fico doido para saber quem é esse outro escritor. É o que tem nessa capa”, explica.