CENA

Livro 'Ninguém é Perfeito e a Vida é Assim' faz leitura política do brega pernambucano

Obra do professor Thiago Soares chega no calor das discussões em torno da lei que o inclui como expressão cultural pernambucana

GG ALBUQUERQUE
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GG ALBUQUERQUE
Publicado em 23/08/2017 às 11:24
Foto: Chico Ludermir/ Divulgação
Obra do professor Thiago Soares chega no calor das discussões em torno da lei que o inclui como expressão cultural pernambucana - FOTO: Foto: Chico Ludermir/ Divulgação
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Com lançamento hoje no Edifício Pernambuco, o livro Ninguém é Perfeito e a Vida é Assim: A Música Brega em Pernambuco, do professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco Thiago Soares, com fotografias de Chico Ludermir, chega ainda sob o calor das discussões sobre a “Lei do Brega”, que inclui o gênero no rol de expressões culturais genuinamente pernambucanas.

O autor esclarece que não almeja contar em detalhes a “história do brega” nem “fazer uma defesa do movimento”. A obra questiona o olhar moralista que enxerga o brega como uma música sexualizada, sem deixar de colocar as contradições inerentes ao contexto da juventude periférica do Recife (sexualização infantil, criminalidade, mas também alegria e diversão).

Ao longo de seis capítulos e 190 páginas, o autor aborda a relação dos bregueiros com a mídia (dos programas de auditório às versões de hits do pop internacional), as performances sociais e os “desejos deslizantes” nas festas, a presença do brega no tecido urbano da cidade (incluindo um viagem com bregueiros ouvindo música alta nos ônibus) e a economia da cena (os mediadores estéticos, o brega universitário, a chegada da banda Calypso à cidade). Thiago destaca o papel ambíguo do Manguebeat como um movimento que pautou o sujeito periférico no centro, mas que o fez a partir de filiações com gêneros consagrados pelo “bom gosto”. “O Mangue funcionou de maneira muito importante para agendar a periferia e acho que é um estágio muito significativo até para que a gente, da classe média, da intelectualidade, conseguisse enxergar o brega. Teve uma importância de trazer o sujeito subalterno. O Manguebeat trouxe esse sujeito para conversar com a branquitude”, afirma, em entrevista por telefone.

Por outro lado, provocou “a ideia de que o midiático não é popular ou um tipo específico de popular que não merece atenção ou chancela”. “O manguebeat trouxe a cultura popular, mas também muito ligada ao folclore, ao maracatu. Aí você junta todo o valor que o Estado sempre deu à cultura popular folclórica com a chancela cosmopolita de gêneros como o rock e hip hop. É a combinação perfeita, a embalagem perfeita da world music. Essa combinação do tradicional com a máscara cosmopolita adere ao mercado internacional, aos festivais. E o brega nunca teve isso, mas ele sempre esteve presente e não deixa de ser cultura popular porque é feita pelo povo”, analisa. Sobretudo, o livro é sobre pensar a música brega como um exercício das diferenças e tenta interpretá-la dentro da disputas no espaço urbano e dos dilemas da cidadania.

Provocado pela ausência do brega na “embalagem higiênica” da coletânea Music From Pernambuco, destinada a feiras internacionais de música, Thiago observa que “o brega estimula uma dimensão política na medida em que ‘força’ a classe média branca e parda do Recife a se deparar com o Outro. Este Outro, primeiramente exótico e estranho. Esse Outro quase selvagem. O brega faz com que sejamos espectadores e ouvintes da nossa própria alteridade enquanto pernambucanos. É música que ativa outro padrão estético musical, tensionando normas clássicas de gravação, agindo no improviso, naquilo que não se reconhece como ‘de qualidade’”.

Para ele, o livro é reflexo de um momento de transformação da universidade. “Não é à toa que o livro sai no contexto póscota racial, na universidade mais negra etc. Até eu comecei a ouvir mais. Quando eu era estudante na UFPE, no fim dos anos 1990, a gente não tinha o menor contato com a cultura brega. O brega nunca teve muitos mediadores. Nos jornais você não tem uma presença desses mediadores, mas está acontecendo um movimento de formação de mediadores nas universidades”.

Como Thiago escreve ao final, é um livro que vem “compreendendo a beleza do limite e a potência do desejo em escrever uma outra história. Uma história outra”.

Marcos e eixos estéticos do brega

O autor demarca três fases e eixos estéticos distintos no movimento brega a partir dos seguintes marcos:

Álbum Reginaldo Rossi (1966)

O disco que inclui o sucesso o Pão é considerado no livro como o marco inicial do brega no Estado. "A presença de Reginaldo Rossi como figura emblemática do brega de Pernambuco se estende por todas as 'fases' em que o cancioneiro chamado de brega se configura, formatando uma espécie de cânone do gênero musical", escreve o professor.

Amor de Rapariga, da Banda Ovelha Negra (2001)

A música que narra a discussão de uma esposa iel e uma amante conquistou um público amplo com seu "tom essencialmente popular e chulo". "Como uma espécie de 'resposta aos cortejos masculinos, vozes femininas apareceram no contexto pernambucano (...). A mulher que questiona o homem, mas também cede a seus apelos, que sofre porque descobre o amante, mas que também é amante, encena matrizes do amor romântico que se materializam em artistas ocmo Banda Metade, Banda Ovelha Negra, Brega.com, Musa do Calypso, Kitara, entre outras". O autor nota que este segundo eixo aparece junto com "a mudança da banda Calypso para o Recife e o agendamento estético de bandas de forró com vocalistas mulheres, como Magníficos".

Novinha, Tá Querendo o Que?, de Metal e Cego (2011)

O terceiro eixo se delineia a partir do contato do brega com o funk e o surgimento dos MCs. "A performance do homem provocador, acintoso e sexualizado, que ordena, ostenta e disponibiliza seu corpo como mercadoria de prazer e observação coloca o brega em contato com um conjunto de dimensões performáticas que negociam com o imaginário do ídolo pop".

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