De Johnny Cash a Rage Against The Machine, a história da música pop tem uma boa lista de discos de reinterpretações que soam como trabalhos autorais. É o caso de Radiola NZ Vol 1, novo disco da Nação Zumbi. Isso porque a banda tem um talento natural para injetar estilo próprio ao tocar música de outros artistas, sem no entanto descaracterizar a canção original. Se apropriam sem diluir a essência.
Quem acompanha os shows da banda sabe. São famosas as versões deles pra Sophisticated Bitch, do Public Enemy; Purple Haze, do Jimi Hendrix; ou Room Full Of Mirrors, do Kraftwerk. Sem falar no projeto paralelo Los Sebozos Postizos, dedicado à obra de Jorge Ben, e no Maracatu Atômico de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, transformado em eterno hino por Chico Science & Nação Zumbi.
No Radiola, a NZ mira na Tijuca dos primeiros anos 1960, ao tocar Tim Maia (O Balanço), Roberto (via Renato Barros, em Não Há Dinheiro Que Pague) e Erasmo (via Taiguara, em Como Dois Animais Na Selva Suja Da Rua, do fundamental Carlos, Erasmo). Mas também tem The Specials (Do Nothing), referência fundamental desde os primórdios do mangue beat; tem Ney Matogrosso revendo Secos & Molhados pelo filtro de Zumbi em Amor. E os cânones dos Beatles (a lisérgica Tomorrow Never Knows), e Marvin Gaye (Sexual Healing).
O primeiro single é Refazenda, de Gilberto Gil, parceiro da banda desde Macô, hit de Afrociberdelia. Num encontro frutífero com o maestro Lettieres Leite e seus comparsas da Orquestra Rumpilezz, cuja relação com a obra de Gil é profunda, a Nação realça um elemento de sua alquimia musical que andava mais discreto em anos recentes. Tropical e colorido, pop sem deixar de ser roots.
A escolha é certeira, traduz o tom do trabalho, embebido de leveza sem deixar de lado a densidade. Uma dose bem vinda de descontração em tempos bicudos. É como diz aquele refrão do próprio Jorge Du Peixe: dá-lhe viver!