A música do artista quando jovem, na caixa Zé Ramalho – anos 70, produzida e lançada pela Discobertas, do carioca Marcelo Fróes, um caçador de fonogramas perdidos. São três CDs que recuperam a obra inaugural do cantor e compositor paraibano, de Brejo da Cruz, abrangendo a primeira demo, de 1976, e os registros de dois shows do álbum que marca sua estreia solo, Avohai, que aportou nas lojas, pela CBS, no início de 1978, mas que foi gravado em 1977.
Uma caixa de importante valor documental de um dos renovadores da música nordestina e brasileira na década de 70. Revela um Zé Ramalho seguro de si, de estilo definido, mas ainda experimentando o melhor formato de algumas canções candidatas a entrar na lista de clássicos da MPB.
Em 1975, Zé Ramalho veio para o Rio agregado à banda que Alceu Valença montou para concorrer ao festival Abertura, com Vou danado pra Catende. Um dos grandes momentos da história dos festivais. Deixou os jurados confusos ao ponto de inserir a música num categoria inexistente no regulamento, “Pesquisa”. Alceu teria a carreira impulsionada pela repercussão da música, que renderia uma série de shows, nos quais Zé Ramalho ganhou o direito de cantar duas ou três músicas.
Por esta época ele já ganhara notoriedade no Recife e em capitais vizinhas, pelo álbum duplo Paêbiru – o caminho da montanha do sol, dividido com Lula Côrtes. Os jornais locais até anunciaram que ele estaria gravando, na Rozenblit, um LP chamado Zé Limeira por Zé Ramalho, que seria produzido por Marconi Notaro. Aliás, foi no único disco de Notaro (No Sub-Reino dos Metazoários, 1973), que Zé Ramalho teve a primeira composição gravada, Made in PB (parceria com Marconi).
Se gravou, foi levado pelas águas do Rio Capibaribe, que arrasaram com a gravadora da Estrada dos Remédios, e destruiram a maior parte da tiragem do citado Paêbiru, do qual restaram, reza a lenda, 300 cópias, o que o faz ser aclamado como o disco mais caro do Brasil, o que é outra lenda. Valem muito mais o compacto do O’Seis, o protótipo dos Mutantes, o desditado Louco por você, primeiro LP de Roberto Carlos, ou Rosa de Sangue, de Lula Côrtes, do qual não foram fabricadas mais de 50 cópias.
Em 1976, Zé Ramalho gravou uma demo, acompanhado pelos músicos com os quais acompanhava Alceu Valença. Além dele, Zé Ramalho, Paulo Rafael, Zé da Flauta, Lula Côrtes, Dircinho, Agrício Noya, e Israel Semente Proibida. Registraram apenas duas canções, Frágil e Jacarepaguá blues, aproveitando uma parada de Alceu, numa passagem de som no Teatro Aquarius, em São Paulo.
Nestas duas canções, está preservado o som do udigrudi recifense dos anos 70. O show tinha uma janela aberta para Zé Ramalho, que cantava duas ou três composições suas. Foi quando chamou a atenção da crítica da época, sobretudo Nelson Motta, que se derramou em elogios ao paraibano nas páginas de O Globo. Eram tempos de vacas magras, o grupo morava numa casa, longe do Centro de São Paulo.
Pouco dinheiro gerava muito estresse. Desentendendo-se com Alceu Valença, em pleno palco, Zé Ramalho deixou a banda. Antes, porém, prestou homenagem ao compositor Sergio Ricardo, destruindo o violão, após sua participação no intervalo do show de Alceu. Foi embora para João Pessoa, onde passou um período sabático, porém compondo e fazendo shows. Voltaria ao Sudeste em 1977. Depois das agruras de praxe, foi descoberto pelo produtor Carlos Alberto Sion, com quem gravou a segunda demo, em que incluiu sua robusta safra de canções inéditas, Avohai, Jardim das Acácias, Frágil, Adeus das Acácias/Espelho Cristalino.
Esta última, na caixa, é creditada a Alceu Valença, mas na verdade, Zé Ramalho se vale de um tema do folclore alagoano, usado dez anos antes por Ariano Suassuna, em Cantiga de Jesuíno, letra escrita pra um baião de Capiba. A composição foi defendida, pela cantora De Kalafe, no III Festival da MPB, da TV Record em 1967. Alceu se valeu apenas do refrão. Sua Espelho Cristalino e a de Zé Ramalho não são as mesmas.
Os dois CDs intitulados Avôhai Ao vivo em São Paulo e Avôhai ao vivo no Rio, são registros de apresentações, de 1978, realizadas, respectivamente, no Teatro Nydia Lícia e Tereza Rachel. É basicamente o repertório do LP recém-lançado, com canções que só entrariam no disco seguinte, como A peleja do diabo com o dono do céu (1978), e uma versão instrumental de Bicho de sete cabeças (com participação de Geraldo Azevedo). Participações especiais dos conterrâneos Cátia de França e Pedro Osmar, e o pernambucano Bezerra da Silva, então gravando forrós e cocos, na percussão.
O disco do show de São Paulo abre com Admirável gado novo, um sucesso perene de Zé Ramalho, obrigatória em seus shows, mas na época ainda inédita. Seria lançada no disco seguinte. A sonoridade também é interessante, ainda tem o sotaque do udigrudi nordestino, os arranjos, andamentos são diferentes. Admirável gado é bastante diferente de como seria lançada. Avôhai é interpretada quase em levada de rojão, cerzida por um solo de flauta (no disco o sintetizador do suiço Patrick Moraz dá outra cara à música), com a marcação forte da zabumba de Cacau.
A apresentação carioca ganhou elogios unânimes da crítica. Zé Ramalho era o nome da vez. Novamente, Nelson Motta liderou a claque jornalística do paraibano, tratando-o por “Violeiro do apocalipse”, ou “espetáculo obrigatório para as falanges que curtem a fusão nordestina, agreste e eletrônica”, um som que recende a chá da “manita matutina”, o combustível que moveu o udigrudi pernambucano dos anos 70.