A música pop tem muito o que agradecer à Suécia. Desde a perfeição pop do Abba, passando pelas melodias do Roxette e as produções de Max Martin (responsável por moldar a sonoridade americana do gênero desde a estreia de Britney Spears, em 1999), o país tem sido uma fábrica de artistas que conseguem traduzir como poucos a diversa – e complicada – cartela de sentimentos embalados por sintetizadores. Dando continuidade à tradição de seu país, Tove Lo faz da pista de dança um espelho – muitas vezes amplificado – que revela os altos e baixos de seus relacionamentos, suas tendências autodestrutivas e, também, sua joie de vivre. Essa montanha-russa emocional está impressa em seu terceiro álbum, o recém-lançado Blue Lips.
Desde que se lançou como Tove Lo, a cantora Ebba Tove Elsa Nilsson parecia ter muito claro que, ao contrário de muitas de suas contemporâneas, sua persona artística não seria um distanciamento do seu self. Dessa forma, suas músicas sempre soaram particularmente reveladoras. O primeiro disco, Queen of the Clouds (2014) tem como eixo questões que pautam sua obra – sexo, amor e dor. Nele, ela transitava por estados quase sempre alterados pelo uso de substâncias ilícitas, usadas tanto para amplificar os bons momentos quanto para entorpecer a dor do coração partido, como no hit Habits (Stay High).
No álbum seguinte, Lady Wood (2016), o mergulho nessas questões parecia ainda mais intenso, com sua escrita mais madura e cortante. Ali, havia uma atmosfera menos naif, como se após anos de baladas regadas a tudo que estivesse pela frente – bebidas, drogas e homens – a conta já estivesse sendo cobrada. Dividido nos capítulos Fairy Dust (sobre a euforia que a trazida ao conhecer um novo amor) e Fire Fade (sobre o retorno à sobriedade e o reconhecimento dos danos emocionais causados pela relação) – o trabalho foi encarado por ela como um disco conceitual, que é completado por Blue Lips (Lady Wood Part II).
Se o título de Lady Wood faz uma versão feminista da expressão “man wood” (algo como um cara que é hipermasculinizado e durão), Blue Lips é também uma tomada de lugar de fala, uma vez que subverte o blue balls, expressão que relata a dor nos testículos por segurar o orgasmo por muito tempo. A sexualidade é um fator que permeia a obra da sueca de uma forma franca e positiva. Tesão sem repressão. Longe do genérico, o pop, para ela, é pessoal e político.
Assim como seus antecessores, o novo álbum é permeado por duas “vibes”. A primeira, Light Beans, acompanha um momento de euforia, de autodescoberta e certa dose de hedonismo. As drogas, aqui, não são usadas para anestesiar, mas para potencializar as sensações, expandir os sentidos. A única preocupação é não reprimir desejos. É dela o single Disco Tits, um dos melhores do ano. “Estou suando da cabeça aos pés/ Minhas roupas estão encharcadas/ Os mamilos estão acesos/ Estou pronta para ir”, canta Tove em cima de uma batida electroclash.
Em Don’t Ask, Don’t Tell, ela aborda a dinâmica da paquera, do mistério que é se abrir (ou não) para outra pessoa. “Nós dois vimos o mundo/ Vivendo e aprendendo/ Não sei o que você ouviu, mas não pode ser pior do que o que eu sei”, entoa. “E, baby, não pergunte e não conte/ Já sei que você é fodido/ E por mim, está tranquilo”, reforça.
Em Shedontknowbutsheknows ela relata o encontro com um cara com quem ficou há pouco, mas que tinha namorada. Ao vê-lo com a cônjuge, Tove toma o lado da traída e aponta o alvo para quem merece: o boy lixo. “Me culpando por toda sua tristeza/ Eu não sabia de vocês dois/ Não entendo porque fui arrastada para essa história/ A culpa é só sua”, afirma.
A segunda parte, Pitch Back, continua a tradição de cantoras suecas, como Robyn e Lykke Li, que transformam a dor em canções memoráveis marcadas por batidas eletrônicas. É o caso da melancólica Romantics, parceria com Daye Jack.
Em Cycles, ela adverte o possível interesse amoroso sobre suas tendências autodestrutivas. “O jeito que eu amo você e os do passado é o mesmo/ E as coisas que eu digo são as mesmas que eu dizia para eles/ E isso realmente me machuca (...)/ Estou num ciclo, eu admito”.
Lembrando que depois de toda noitada vez a ressaca, ela se despe por completo em 9th of October. “Vivendo tão rápido/ Fazendo as memórias durarem/ Até nossos corações não aguentarem mais/ Ouvi você explodir enquanto eu implodia”, O sentimento é potencializado em Bad Days. O disco se encerra com Hey, you got drugs? que captura o espírito da empreitada: “É tudo diversão e jogos até que se torna real (...)/ Você não vai salvar a noite para mim/ E eu nunca vou para casa”. Porque, no final das contas, estamos todos dançando sozinho.