A bela trilha sonora da guerra do Vietnã revisitada

De Bob Dylan aos Beatles, do Credence aos Rolling Stones
JOSÉ TELES
Publicado em 21/02/2018 às 10:11
De Bob Dylan aos Beatles, do Credence aos Rolling Stones Foto: foto: divulgação


Em janeiro de 1967, o presidente Lyndon Johnson anunciou, no Congresso dos Estados Unidos, que a guerra no Vietnã estava quase terminada, com um porém: “Enfrentaremos, mais sacrifícios, mais perdas, mais agonia, pois o fim ainda não está à vista. Não posso garantir aos senhores se ele virá neste ano ou no próximo”.

 Só viria dali a oito anos. Em 1968, quase meio milhão de soldados estavam no pequeno país da Indochina, além de 35 mil nas bases americanas na Tailândia e 35 mil na sétima frota. Ao todo, três milhões de americanos lutaram no Vietnã (uma guerra que acabou envolvendo o Laos e o Camboja). O conflito foi mais uma queda de braço entre os EUA e a URSS. Americanos apoiavam o Vietnã do Sul, os russos, o do Norte, acirrando a guerra fria e levando o mundo a temer um embate entre as duas superpotências, que dividiam o planeta em blocos ideológicos.

 Globalizada, a guerra do Vietnã se tornou de interesse de praticamente todos os países do mundo. A escalada americana no Vietnã aumentou exatamente quando eclodia a onda hippie, cujo principal slogan era “peace and love”, o paz e amor, simbolizado pelo indicador e o dedo médio em forma de “v”, que até então significava “vitória”. A média de idade dos soldados enviados à Indochina era de 20 anos, muitos deles hippies obrigados à farda verde-oliva.

 Os que escaparam do recrutamento, ou estavam ameaçados de ir à guerra, foram à luta, e marchavam cantando. Um conflito sangrento, irracional, porém com esplêndida trilha sonora. Com raras exceções, os artistas da música popular americana se engajaram contra ele. A música folk deixou de lado as mazelas sociais para se comprometer contra o inimigo comum, os senhores da guerra. Masters of War, um clássico da fase inicial de Bob Dylan.

 Esta e mais três canções de Dylan estão no álbum com a trilha sonora do megadocumentário The Vietnam War, dirigido por Ken Burns e Lynn Novick, com roteiro de Geoffrey C. Warde, narração de Peter Coyote. Uma empreitada que custou 30 milhões de dólares e dez anos para ser finalizada. Começou a ser exibido em setembro de 2017, em uma dezena de capítulos. O doc utiliza 120 canções da época da guerra, dos anos 60 e dos primeiros anos da década de 70.

 INSPIRAÇÃO

Uma guerra que teve poucas canções a favor nas paradas. Um dos maiores hits de 1966 foi Ballad of the Green Berets, do Sargento Barry Sadler, ele próprio um “boina verde” (esquadrão de elite, cujo nome oficial é The United States Army Special Forces). A canção chegou ao primeiro lugar do paradão da Billboard em janeiro daquele ano. No entanto, Ballad of the Green Berets não está na trilha de The Vietnam War, deveria estar.

 Uma guerra que inspirou milhares de canções, incensou musas, como Joan Baez e bardos feito Bob Dylan, contemplados nesta trilha sonora não apenas com canções de protesto. Entre suas composições está  a doce e amarga Don’t Think Twice it’s All Right. Protagonizada por uma maioria de jovens, a música era avidamente consumida entre os soldados americanos, em rádios de pilha, cassetes, cantadas por eles mesmos ao violão.

 Muitas tomavam outras conotações, Purple Haze, de Jimi Hendrix, para os soldados, era a fumaça roxa que guiava helicópteros para um pouso seguro, o protofeminista rock, de Nancy Sinatra, These Boots Are Made for Walking, não eram as botas (boots), da cantora, mas os coturnos dos soldados. We Got Get Out of This Place, a revolta juvenil dos Animals, virou um brado de protesto (“Temos que cair fora deste lugar”).

 Algumas eram mais elaboradas, de letras atemporais, como as que Dylan compunha, ou iam diretas na ferida, Ohio, de Crosby, Stills, Nash & Young, ou What’s Going On, de Marvin Gaye. A primeira uma canção reportagem sobre estudantes mortos numa manifestação, a segunda a tradução da perplexidade coletiva (O que está acontecendo?). Os Animals entram na trilha com It’s My Life (É a minha vida) uma das canções que assumiram outro significado para quem estava no Vietnã.

 Imprescindível é Eve of Destruction, de Barry McGuire, uma das muitas cópias de Bob Dylan, que venderam mais discos do que ele. Algumas das canções fizeram sucesso entre as tropas americanas no Vietnã, porque era o que se escutava nos EUA na época. Uma forma de estar ligado aos amigos e parentes pela música. Foi o caso do instrumental Green Onions, do grupo Booker T and the MGs.

 A música tocada nos EUA de 1962 a 1975 pontua os dez capítulos do documentário. The Ventures, Led Zeppelin, The Rolling Stones, Velvet Underground ou Miles Davis não estão no álbum. Dos Beatles, tem Let it Be, mas não Revolution (tocada no sétimo episódio). É possível que venha por ai uma caixa com as 120 canções utilizadas no documentário, inclusive com músicas de Trent Reznor e Atticus Ross, composta especialmente para o filme.

 A quem se interessar pelo assunto, em 2017, foi lançado um livro sobre o tema: We Got to Get Out of This Place – The Soundtrack of the Vietnam war, Craig Hansen Werner e Doug Bradley.

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