Cordel do Fogo Encantado desvenda bem guardado segredo

Integrantes ensaiaram durante um ano para trabalhar a volta
JOSÉ TELES
Publicado em 24/02/2018 às 10:20
Integrantes ensaiaram durante um ano para trabalhar a volta Foto: Foto: Jonas Tucci/divulgação


“Estou com vontade de chorar! Estou chorando! Aos mais jovens, ouçam: Ouçam! Aos mais jovens e aos mais velhos: Vamos ouvir juntos”. O comentário, postado no Instagram, foi para Chico Buarque ou Demi Lovato, ambos com shows marcados no Recife? Nenhuma das respostas. Foi motivado pela anunciada, e ansiada, volta do Cordel do Fogo Encantado. Um espécie de sebastianismo musical que surgiu em 2010, quando a banda debandou. Sites, blogs, páginas pessoais cuidaram de manter viva sua memória.

 O fim da espera foi ratificado nos primeiros minutos de ontem, 22 de fevereiro, com a reedição, nas plataformas de streaming, dos três discos do CFE. “Começamos a ser procurados pelas plataformas de streaming. Os discos da banda estavam esgotados, esta procura já vem de um tempo. Mas a obra, a história do grupo estava completamente bagunçada, espalhada, começamos a organizar, trouxemos todas nossas músicas para uma empresa que criamos, a Fogo Encantado. Nesta organização, começamos a conviver, e daí surge a ideia de gravar umas músicas que ficaram no meio do caminho”, conta João Paes de Lira, ou Lirinha, vocalista e compositor do grupo. A decisão que ele tomou em sair, em 2010, decretou o fim da banda.

 O retorno foi costurado entre quatro paredes de um estúdio em Boa Viagem, segredo guardado a sete chaves, e extrema discrição de todos que participaram da gravação de Viagem ao Coração do Sol, álbum que virá à tona em 6 de abril. Em época em que tudo vaza na Internet, é difícil entender como não se soube que o Cordel do Fogo Encantado estava reunido para voltar ao disco e aos palcos. Lirinha passou um ano morando em um apartamento que alugou no Recife. O guitarrista Fernando Catatau, o Cidadão Instigado, que voltou a viver em Fortaleza, sua cidade natal, também passou um tempo na cidade trabalhando com o grupo.

“Começamos a ensaiar em janeiro de 2017, só os cinco na sala. Aquela emoção que dá pra imaginar. Não sabia como minha voz estaria dentro do Cordel depois de sete anos. Mas foi como nos primeiros momentos da banda. Catatau passou uma semana com a gente nos ensaios. Em maio fomos pra São Paulo e gravamos este disco que estamos pra lançar, feito no estúdio El Rocha, de Ganjaman, combinamos de manter o sigilo. Ao pessoal que circulava no estúdio a gente dizia que estava fazendo a trilha para um filme”, continua Lira.

 O disco foi finalizado em Fortaleza, para onde Lirinha, Clayton Barros, Nego Enrique, Rafa Almeida e Emerson Calado viajaram separados, a fim de não dar na vista. Quando diziam que estavam reunidos para gravar a trilha do filme, os integrantes do Cordel do Fogo Encantado despistavam curiosos, mas não mentiam totalmente. Eles foram convidados a contribuir com uma canção inédita para o filme Largou as Botas e Mergulhou no Céu, de Bruno Graziano, Paulo Silva Jr., Raoni Gruber e Cauê Gruber:

 “A música está no disco que vamos lançar agora. Eu fiz a letra e botei voz em São Paulo, os outros músicos da banda gravaram no Estúdio Casona, em Candeias. Foi a primeira vez que os percussionistas e Clayton voltaram a tocar juntos. A composição é de 2010, e nesta gravação voltou aquela energia do Fogo Encantado, e gente já ficou superbalançando pra fazer mais coisas”, comenta Lirinha.

 Uma empreitada que contribuiu para aparar as arestas que ficaram entre eles desde a saída forçada de cena de quase oito anos atrás. Embora, diplomaticamente, Lira evite tocar na ferida, o fim abrupto do Cordel do Fogo Encantado, no meio da pré-produção do quarto disco. O violonista e compositor Clayton Barros, no entanto, afirma que, feito nos versos de Back in Bahia, de Gilberto Gil, “partir foi necessário para voltar”, e acredita ter sido um mal necessário: “Na época o Cordel tinha chegado ao ápice. A gente tinha que seguir outros caminhos pra dar uma guinada artística e pessoal. Esta pausa, por mais que tenha sido um tanto dolorida na hora, foi convertida em força pra gente voltar com um novo olhar, com mais idade, mais experiência. Foi preciso cortar na própria carne, mas foi importante pra sair da zona do conforto, ir pro mundo. Se não fosse a parada naquela época talvez a gente não tivesse condições de continuar. Acho que o grupo não sobreviveria durante muito tempo. Precisou esta distância, a saudade, para a gente agora estar juntos. É mais uma retomada do que uma volta”.

 MUNDO NOVO

 O Cordel do Fogo Encantando entrou em cena como um grupo de teatro, a música veio à reboque e acabou arrastando os integrantes para outras searas. O CFE não se enquadrava em nenhuma dos nichos da cena pernambucana de final dos anos 90. Percussão de terreiro de candomblé com um violão pesado e a frágil figura do vocalista que se agigantavam no palco, histriônico, misturando letras messiânicas e enigmáticas, com versos da poesia oral nordestina: “Esta formação do Cordel é muito especial e original. Ela só é possível com todos juntos. Eu mesmo não reproduzi no meu trabalho este som. Nenhum dos integrantes repetiu, porque só acontece com a formação nossa”, confirma Lirinha.

 O CFE seduziu um imenso séquito de admiradores. Foi a primeira banda da era manguebeat a lotar o Teatro do Parque no primeiro show que realizou no local. Foi preciso que se fechassem os portões quando os ingressos acabaram, com dezenas de fãs forçando a barra para entrar. O entusiasmo da plateia foi tanto que aplaudiu até um incidente, na abertura do concerto.

Quando a banda adentrou o palco, que Clayton deu o primeiro acorde no violão, Lirinha pulou, e sumiu. Nada premeditado. A madeira do assoalho cedeu, e o cantor desceu pela abertura. Atordoado, conseguiu subir, e continuar o show. A plateia delirou. Na segunda década do século 21, eles voltam sabendo que um mundo novo descortinou-se desde que o Cordel parou:

“Em 2010, as mídias sociais quase não existiam, não tinha Facebook, era ainda o Orkut. Esta noite foi dificílimo dormir por conta da emoção pelas mensagens que a gente recebeu. A banda fez parte de um momento de transição das redes sociais. Começamos em 1999, no começo do declínio das gravadoras, os três discos nossos são independentes. Em 2010 a gente tinha um grupo de 60 mil e outro de 40 mil no Orkut. a Internet engatinhava. E o Cordel volta agora num mundo diferente. Curioso de como se comportará este público”, diz Lirinha.

 DISCO

 Viagem ao Coração do Sol contém 13 faixas. Quatro delas vindas do ano de 2010. Duas trazidas prontas por Lirinha, e as restantes compostas durante o período em que quinteto voltava a caminhar juntos. “Digamos que este disco veio do passado, abrindo uma porta para o futuro”, sintetiza Clayton. Para Lirinha, o álbum recomeça de onde o grupo estava no terceiro CD, Transfiguração. “Aquele disco falava em casulos. Neste sair de dentro da Terra, o casulo, em direção ao sol. A poesia fala de florescimento, rarear, luz, sideralidade, uma música se chama sideral. As músicas trazem as experiências que cada um adquiriu nestes anos. Não sei o que vão achar, mas considero este o melhor trabalho da banda.

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