Uma das mais cultuadas bandas do rap brasileiro, a Faces do Subúrbio entra hoje no estúdio Somax para a primeira sessão de cinco faixas, inéditas, de um EP, o primeiro disco desde Perito em Rima, de 2005. Com o EP, que terá, por enquanto, apenas versão digital, eles celebram 20 anos do primeiro álbum. Da formação original restam o guitarrista Oni e o rapper Zé Brown. Não estão neste retorno, por motivos diversos (não se interessaram ou tocam outros projetos), Tiger, Marcelo Massacre, Garnizé e o DJ KSB. Entraram Felipe (baixo), Pernalonga (bateria), Samuel Negão (vocais) e o DJ Beto. “Eu e Oni vínhamos conversando há dois anos sobre uma volta do Faces. Eu moro em São Paulo e, lá, as pessoas sempre falam do grupo. Achamos que este é o momento”, explica Zé Brown.
Oni ressalta que este retorno é para ficar: “Fizemos outras reuniões antes, mas era sempre um projeto a curto prazo. Agora, a intenção é gravar e sair em turnê. É outro momento. O disco vai ser lançado no Somax Digital, que distribui a música pela internet, com alcance no mundo todo”. O Faces do Subúrbio tem uma discografia de quatro títulos. Cinco, se for considerada a fita demo Não Somos Marginais, com as primeiras gravações do grupo:
“Eu gosto muito, e acho que nossa estreia pra valer está ali. Fizemos, depois, dois discos pela MZA, de Mazzola, e dois independentes. O Faces acabou porque foram surgindo desentendimentos entre os integrantes. A gente pegou o fim das gravadoras. Lançamos disco em 1997, logo depois começava a pirataria. Quando nos tornamos independentes, tornou-se difícil e o pessoal começou a entrar em outros projetos. Garnizé foi para a S.U.R.T.O, de Marcelo Yuka, Massacre queria partir para uma coisa mais, dub, eu parti também pra pesquisar a história do hip hop, da cultura popular, fiz jingles”, diz Zé Brown.
O Faces do Subúrbio surgiu em 1992, foi uma das pioneiras do rap nacional. Provavelmente, a primeira banda do gênero, ou seja, de rap com bateria, baixo e guitarra. Embora não fosse inicialmente de misturar rap com gêneros regionais, o grupo encaixou-se no manguebeat e atraiu o interesse das gravadoras do Sudeste: “No Nordeste, pelo menos em projeção nacional, fomos pioneiros. Antes de gravar o disco, em 1995, fomos convidados para um grande evento de hip hop no Anhangabaú, em São Paulo, com Pavilhão 9, Racionais, Câmbio Negro de Brasília. Ficamos bastante conhecidos no meio”, lembra Brown.
Em 1997, eles estreavam no Rio, no Garage, na Praça da Bandeira, na Tijuca, com as cariocas Squaws, Cabeçudos, mais Matanza, Poindexter e os Cabeloduro (DF). Fizeram o lançamento do álbum que tinham acabado de finalizar pela MZA, distribuído pela Polygram. Um sonho concretizado dos garotos pobres da Zona Norte do Recife, que saíam para os shows com a carteira de identidade no bolso, para apresentar aos “hômi”: “Hoje em dia vou no meu carro, emparelho na viatura, os caras me reconhecem e cobram pra botar o nome do bairro deles no rap”, conta Zé Brown. Muito diferente de duas décadas atrás.
FARDADOS
Mesmo com disco gravado, a polícia não aliviava para o Faces do Subúrbio. Em 1998, eles voltaram a ser notícia nacional, não pela música, mas por ter uma apresentação interrompida no Parque de Exposição de Animais, no Cordeiro. Era o final do segunda gestão de Miguel Arraes, a polícia, que chegou a desafiar o governo numa greve inédita, estava com ânimos acirrados. “Militares ou civis não importa quem são, são homens de sangue frio sem perdão/morros e favelas é sua diversão/ pois é lá que eles pregam a sua lei do cão/acham que a morte é o seu ideal/ ideal desses que os tornaram marginais”. Os versos são de Homens Fardados, sucesso do primeiro CD do FdS. A banda começou a tocar o rap e, de imediato, formou-se uma roda de pogo (dança coletiva, em que as pessoas giram enquanto pulam, sacodem os braços para o ar, as
vezes se empurrando):
“A polícia estava despreparada para aquilo. Nunca tinham visto. Acharam que a roda de pogo era uma briga. E chegaram batendo. Quebraram a perna de Junior, do Via Sat (banda que abriu o show), com porrada de cassetete, mas não ficaram nisso, subiram no palco e pararam o show. Saímos de lá com algemas – eu, Tiger e Garnizé – para a delegacia do Cordeiro. Até o secretário de imprensa do governo, Jair Pereira, que foi intervir, foi também levado para a delegacia”, relembra Zé Brown.
“Eles acusaram a gente de extrapolar o limite da l iberdade de expressão. Pior é que aquele foi o primeiro show do Faces que a minha mãe foi. Também o último. Mas, fora as algemas, não aconteceu nada com a gente. Ficamos lá, um tempo, no banco. O delegado mandou que soltassem a gente, dizendo aos policiais que não via necessidade de nos deter”, completa Oni. As desculpas se estenderam e o governador Miguel Arraes recebeu o grupo no Palácio do Campo das Princesas.
O Faces do Subúrbio volta à cena quando o rap passa a ser assimilado pela classe média, torna-se pop e entra em trilha de novela: “Normal que isso aconteça. Nos Estados Unidos já está há muito tempo. O Run DMC nos anos 80 era patrocinado pela Adidas. Naquela época, o rap tinha esta ligação com revolta, com protesto social, não se aceitava que fosse comercial. Quando Gabriel O Pensador começou, sofreu preconceito porque era branco de classe média. Mas o cara é bom, inteligente, depois veio D2 misturando com samba. A gente botou coco no rap, acho que causou impacto, e foi difícil de o hip hop ser assimilado porque não é só a música, mas uma cultura de estilo”, analisa Brown.
As canções novas foram compostas para o EP, a maioria das letras é de Zé Brown, com os demais participando da música. Lula Queiroga e a Devotos são os convidados especiais. O EP, que tem o título de Tudo Zen, terá arte da capa do grafiteiro Guga Baygon, que mora em Brasília. O produtor Ricardo Menezes assina o trabalho com os integrantes do Faces do Subúrbio: “Vamos mixar, masterizar e ver como fazemos para a divulgação.Assim que tudo estiver finalizado, vai ter uma badalação. Por enquanto não tem disco físico, a gente vai trabalhar as músicas na internet”, diz Zé Brown.
nota - O Faces do Subúrbio adiou o início da gravação para esta quarta-feira, dia 4. Uma variação na energia, causou pane nos equipamentos, do Estúdio Somax,que só voltar a funcionar amanhã.