As portas estavam abertas a partir das 9 da noite. A reportagem chegou pouco antes das 23h30. O local? Manhattan. E não estamos falando da icônica vizinhança nova-iorquina. Mas, pode-se dizer que o café teatro, localizado na Rua Francisco da Cunha, em Boa Viagem, procura reproduzir o clima intimista das casas noturnas da Big Apple, nas quais é possível ver seu artista favorito se apresentando, bem pertinho de você.
Noite de sexta-feira (13), espaço lotado (feito que se repetiria no sábado, a julgar pelas reservas) para receber a anfitriã: a cantora Alcione, que, àquela altura, ainda não havia dado o ar da graça.
Trezentos e quarenta felizardos, a cada dia, conseguiram, a chance de celebrar os 45 anos de carreira da maranhense. Não é todo dia que uma diva da MPB, acostumada a cantar para multidões, encara uma plateia menor, olho no olho. Talvez esteja aí o segredo do sucesso do Manhattan, em atividade há 12 anos.
À frente do empreendimento que mescla gastronomia e música está o empresário Ronald Meneses, 46 anos, que tenta oferecer ao público a chamada “noite completa”. “Você chega mais cedo, por volta das 21h. Janta ouvindo os Garçons Cantores e, depois, tem um pouco ‘da farra’, que hoje está sendo representada pela Alcione”, conta o proprietário, que também é chef de cozinha, formado pelo Instituto Paul Bocuse.
Em busca de oferecer grandes experiências para o público, o próprio Ronald vai atrás dos artistas. “O Manhattan nunca foi, nem nunca será um concorrente das grandes casas de shows. Aqui, a nossa ideia é ser sempre um camarote, fazendo com que as pessoas se sintam parte do espetáculo. E eu preciso deixar o artista à vontade, para que ele se apresente como se estivesse na sala da casa dele, com convidados”, conta o empresário, que já trouxe nomes como Billy Paul, Elymar Santos, Martinho da Vila, entre outros, e ainda sonha atrair Zé Ramalho, Fagner e José Augusto.
A Marrom se apresentou no Manhattan pela primeira vez em dezembro de 2012, no aniversário de sete anos da casa, segundo Ronald. “Eu estou quase ficando sócia dessa casa! Ela me remete aos meus tempos de cantora da noite, onde o público ficava pertinho de mim. E aqui é assim, é muito gostoso de cantar. Rola uma intimidade, uma interação gostosa”, conta Alcione, que recebeu a reportagem do Jornal do Commercio no camarim, minutos antes de subir ao palco.
Na plateia, ansiosa pelo início do show, estava a contadora Maria de Lourdes Rocha, 51 anos, conhecida por todos do Manhattan como Lurdinha. A intimidade se explica pelo fato de ela ser cliente cativa.
De “superfã” do cantor Altemar Dutra Jr – que a levou a conhecer o empreendimento que fica na mesma rua em que reside – virou “superfã” do Manhattan, frequentando-o praticamente toda a semana.
“Aqui todo mundo sabe que eu gosto de ficar em frente ao palco, nas mesas 20, 21 ou 22, ou na mesa 7, do lado do palco. É um sofazinho que ninguém gosta, mas eu adoro aquele lugar. Tem espaço para dançar, você fica perto do palco, do artista e interage mais com o show. Quando venho só, fico do outro lado, na mesma posição. Por isso que volta e meia comentam que ‘Lurdinha dançou com o cantor’, ‘Lurdinha tava cantando e tal’”, conta a cliente, que já dançou com Elymar Santos no palco, e terminou virando uma espécie de “embaixadora” do Manhattan.
Todo esse papo acontecia enquanto os Garçons Cantores aqueciam o público para a atração principal, cantando de tudo um pouco. Do mais fino MPB a Tindolelê, da Xuxa. Entre o time de prata-da-casa está a cantora Kelly Guedes, 47 anos, que se apresenta no Manhattan desde a fundação. “O Manhattan é uma vitrine. Uma experiência de vida. Todo o meu desenvolvimento artístico, porque tenho outros trabalhos, foi em virtude de minha passagem por aqui. Acho que eu não seria a cantora que sou se não fosse esta casa”, conta ela, formada em música pela UFPE e também em direito. Quando não está cantando, ela toca um escritório em parceria com o marido.
Era 1h05 da manhã deste sábado (14) quando Alcione subiu ao palco, com seis músicos, para apresentar a primeira noite do show Eu Sou a Marrom no Recife.
Desfilando simpatia e o vozeirão que lhes são característicos, emendou um hit atrás do outro: Além da Cama, Estranha Loucura – com direito a brincar com a letra e mandar um “Vai sentir falta dessa pretinha aqui”, arrancando gritos e aplausos – Faz Uma Loucura Por Mim, A Loba, Meu Ébano, entre outros.
Oitenta minutos depois, ao encerrar o show com Não Deixe o Samba Morrer, a garra da artista remete a algo que ela tinha falado no camarim pouco antes de encarar aquele público tão de perto: “Deus me quer cantando nesta Terra. Eu não posso usar minha voz para caluniar, falar mal ou fazer nada de mal. Minha voz é para dar alegria ao povo. E eu faço isso com alegria”.