Dudu Braga fala com muita fluência, circula pelo país fazendo palestras para pessoas que sofrem de deficiência visual, feito ele próprio. Quando nasceu, em 1969, descobriu-se que sofria de glaucoma congênito. Um diagnóstico que atraiu para ele TV, rádio, jornais do país inteiro. Seu nome de batismo explica tanta atenção: Roberto Carlos Braga II, Segundinho quando criança. Filho de Nice Rossi e deRoberto Carlos, o cantor, claro.
O garoto foi levado para os principais hospitais especializados dos Estados Unidos e Europa. Mas a doença era irreversível. Aos 24 anos, ele deixou de enxergar. Aos 49, Dudu Braga, que também é músico e produtor, concede entrevista para conversar sobre seu novo projeto, o DVD RC na Veia, basicamente versões com roupagem de hard rock, heavy metal e até punk rock de canções pinçadas do extenso catálogo do pai, gravado na Casa Natura, em São Paulo, com produção de Rafael Ramos, e várias participações especiais.
“Costumo fazer palestras sobre inclusão da pessoa com deficiência, um evento motivacional, e, no final, cantar É Preciso Saber Viver, na versão dos Titãs. Como trabalho com música, sou baterista, resolvi chamar o vocalista da minha banda pra cantar na palestra. A gente resolveu fazer umas quatro, sete músicas do paizão. O resultado foi tão bom que decidimos estender para um show inteiro, com 25 músicas. E deu no que deu, graças a Deus. O projeto começou em 2014, foi gravado em outubro do ano passado. Meu pai já havia cantado com a gente algumas vezes. Na primeira vez que tocamos, ele veio ver e disse que a gente deveria gravar aquilo. Disse que nem lembrava já ter gravado tanto rock. Eu queria fazer uma coisa que ele aprovasse, que estivesse à altura dele. Sei da responsabilidade, pelo o que ele significa com o artista, como personalidade. Queria que ele aceitasse a sonoridade que estava ali no disco. Ele aprovou, foi muito bom”.
O RC na Veia foi ficando encorpado. Numa apresentação no programa Altas Horas, da TV Globo, Toni Garrido fez uma participação especial, e voltaria para gravar o DVD. Chegou em seguida Digão (Os Raimundos) para cantar Esse Cara Sou Eu em estilo punk rock. “Convidei o Flausino (Jota Quest) para fazer Além do Horizonte porque acho que ele tem uma pegada soul. Então fomos fazendo um intercâmbio de ideias”, conta Dudu Braga, cuja banda fixa é formada por Alex Capella (voz), Fernando Miyata (guitarra) e Juninho Chrispim (baixo). Mais um guitarrista foi agregado à banda, Andreas Kisser, da Sepultura, que toca em Não Vou Ficar (Tim Maia) e Além do Horizonte.
O intuito era não trazer artistas que fossem assumidamente influenciados pelo “paizão”, como chama Roberto Carlos: “Queria fazer releitura meio virgem das músicas dele. Esses caras quase não conheciam a música de Roberto. No grupo, claro, o maior conhecedor sou eu. Fiz uma playlist de 40 músicas, marquei as que eu queria que estivessem no repertório, e pedi pra eles escolherem as outras. Um processo bem democrático, queria que eles curtissem cantar. Um repertório que pudesse se adequar ao que eu estava pensando”. Um dos artistas que participa do DVD, em Se Você Pensa, é o único que não tem a menor influência do pai de Dudu Braga, o próprio Roberto Carlos, que também está no coro de É Preciso Saber Viver”.
PÚBLICO
Uma apresentação que foi a prova de fogo do RC na Veia aconteceu na Avenida Paulista, coração de SãoPaulo: “Roberto é visto como uma coisa para mais velhos. Porém, quando tocamos na Paulista, tinha de tudo, gente de todas as idades. Quando começar a tocar em rádio pode ter uma segmentação maior”, comenta Dudu. Ele diz que tem várias músicas que estão entre suas preferidas na obra de RC, que ficaram fora doDVD. Uma das minhas preferidas é Todos Estão Surdos, da qual Chico Science fez uma versãosimplesmente maravilhosa. Outra preferida é Não Vou Ficar, que o Flausino canta. Tem muitas, As Curvas da Estrada de Santos, a própria Esse Cara Sou Eu, que é mais recente e se encaixou muito bem numa linguagem de rock”. Uma obrigatória no repertório é As Flores do Jardim da Nossa Casa, parceria de Roberto e Erasmo, cuja inspiração foi ele, o primogênito de RC.
Dudu Braga conta que nas primeiras apresentação da banda, as pessoas não sabiam exatamente o que esperar, mas eram atraídas pelo repertório e pelo fato de ele ser filho do Rei. “Até o trabalho ser documentado, as pessoas vinham achando que fosse uma banda cover de jovem guarda. Nada contra, adoro jovem guarda mas, claro, não era isso. Então quando vê que é rock and roll, exclamam um ‘caramba’. Naturalmente, não criticam assim de cara. Ninguém diz pra você que o seu filho é feio. Mas o que eu sinto pela sensação das pessoas, mesmo sem enxergar, é que a recepção é a melhor possível. Você pode até não gostar de heavy metal, mas gosta de Roberto Carlos”, pondera Dudu Braga.
A turnê de divulgação do DVD está apenas no começo, mas Dudu Braga adianta que haverá uma sequência do trabalho: “A gente vai trabalhar este disco com afinco, mas já tem ideia do segundo trabalho. Tem muita coisa que ficou de fora. Por exemplo, uma que eu queria fazer com roupagem metal é 120... 150 ... 200 km por hora, e também Todos Estão Surdos. No show tem 25 músicas, no DVD, 17. É pouco, O Calhambeque, por exemplo, não entrou, queremos colocar no próximo disco do projeto”. Um projeto que ele não sabe ainda que conceito terá.
Uma pergunta que ele tem que responder em toda entrevista: “Como é ser filho de Roberto Carlos, um mito brasileiro?” Dudu tem a resposta na ponta da língua: “É muito bom ser filho dele, só tem coisa boa. Posso falar como filho que ele é maravilhoso. Como artista todo mundo sabe da capacidade e da competência, das questões éticas que tem com a própria vida. Posso dizer que recebo um carinho por tabela que é sensacional”, diz o filho do Rei, confessando que tem outros ídolos, um deles o grupo inglês Led Zeppelin