A Tropicália mostrou as múltiplas possibilidades que existiam de fazer música e acabou com as barreiras alfandegárias contra o produto estrangeiro, em que predominava o preconceito contra o rock em inglês, mesmo que para tal tenha criado momentos de confronto e radicalismo. Os tropicalistas mudaram também a maneira de escrever letra de música no Brasil, mas não necessariamente a de fazer música, com exceção de algumas canções mais ousadas, a exemplo de Questão de Ordem, de Gilberto Gil.
Até mesmo nas letras não houve uma ruptura radical com o que se praticava então na música popular. Os dois principais letristas da Tropicália (que não faziam música), José Carlos Capinam e Torquato Neto, foram melhores como letristas do que como poetas, sem que se pretenda incursionar pela discussão do que é poema e o que letra de música. O próprio Caetano Veloso, num debate promovido, em 1978, pela extinta revista Homem, comentou: “Nunca escrevi poesia, comecei mesmo fazendo letra de música. A questão de saber se a poesia é o que está impresso ou o que está gravado é mais uma consequência do status atribuído à palavra poesia”.
Em junho de 2017, Théo de Barros, autor da melodia de Disparada (a letra é de Geraldo Vandré), comentou sobre o tropicalismo, em entrevista ao autor desta matéria: “Até hoje eu não entendi. Movimento musical, pra mim, é quando você mexe com a estrutura da música. O tropicalismo não mexeu, Domingo no Parque é um baião, Alegria, Alegria é uma marchinha. Ficou esse negócio de guitarra na música popular, mas instrumento não faz movimento. É uma sequência do que os Beatles fizeram, muito mais como atitude, de costumes, de outras coisas, eu não considero um movimento não”.
Companheiro de Théo de Barros no Quarteto Novo, Hermeto Pascoal, 50 anos depois da Tropicália, tem opinião quase idêntica: “Foi mais uma coisa sensacionalista, do que musical. Aquilo não tem música, só brincadeira. Como brincadeira, eu aceito, como música não. Era aquela coisa muito teatral, virou teatro, porém aquela peça eu não assistiria, mas respeito. O tropicalismo foi mais divulgado do que tocado”.
O empresário Guilherme Araújo aproveitou a badalação em torno do programa Divino Maravilhoso, em São Paulo, para reunir Gal Costa e Tom Zé num mesmo show, com acompanhamento de Os Brasões. Tom Zé sempre admitiu que não foi dotado da mesma veia pop que os colegas baianos. Embora tenha aceitado o convite para embarcar na expedição tropicalista, não combinavam com ele os cabelos e roupas extravagantes com que Guilherme Araújo impulsionou as imagens de Caetano, Gil e Gal na imprensa. Além disso, continuava sendo conhecido por poucos.
Na porta do Teatro de Bolso, no Leblon, onde ele se apresentava com Gal Costa, havia uma placa na entrada lembrando que Tom Zé foi vencedor do IV Festival da TV Record, com São São Paulo. A crítica do show, intitulado O Som Livre de Gal Costa e Tom Zé, foi quase sempre mais simpática a Gal Costa, que se adaptou rapidamente à metamorfose de João Gilberto de saia para a Janis Joplin brasileira. Ela mudou a tal ponto que, em entrevista ao JB (20/04/1969), confessa que acha seu álbum de estreia datado: “Custou muito a sair e quando saiu estava velho. Eu tinha evoluído nas interpretações, assim o show superou o disco”.
Seu próximo passo seria um concerto solo, no badalado Sucata, com The Bubbles, (Naná Vasconcelos na percussão). Missão cumprida, Tom Zé passou a montar sua obra, longe de badalações. Foi dos poucos que não viajou para Londres, onde se formou um grupo em torno de Caetano e Gil. Continuou em São Paulo. Passou a ensinar música e a fazer shows pouco badalados. Em 1971, ganhou, no programa de Hebe Camargo, uma espécie de festival em que competiram nomes como Chico Buarque, Martinha, Paulinho Nogueira. Venceu com a pouco lembrada Silêncio de Nós Dois. Continuaria a careira em low profile até os anos 90, quando foi redescoberto e reocupou seu merecido lugar na MPB.
Enquanto isso, Gal Costa ascendeu rapidamente ao status de estrela de uma MPB esvaziada da maioria dos seus principais autores. Em sua coluna na revista A Cigarra, Nelson Motta enumerava, em 1969, os exilados e autoexilados: Chico Buarque (Roma), Caetano Veloso e Gilberto Gil (Londres), Dori Caymmi (Los Angeles), Egberto Gismonti (Viena), Carlos Lyra (México), Vinicius de Moraes (Paris), Tom Jobim (Los Angeles), Francis Hime (Nova Iorque).
No IV Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, um concurso que consolidaria o tropicalismo como força renovadora da MPB, Jorge Ben participou com Guerra, Queremos Guerra; os Mutantes com Dom Quixote; Tom Zé com São São Paulo e Gal Costa, devidamente repaginada – de cabeleira encaracolada, bata, colares – defendeu Divino Maravilhoso (com backing vocals de Ivete e Arlete).
O movimento ainda pulsava. Dos cinco primeiros classificados no festival, três eram de tropicalistas. Tom Zé levou o primeiro lugar; Divino Maravilhoso ficou em terceiro; 2001, de Tom Zé e Rita Lee, com os Mutantes, em quarto lugar. Foi o início do fim da era dos festivais da MPB, embora os certames continuassem até 1972. O V festival da MPB da TV Record foi o último da emissora nos anos 60.
De um concurso de música, apenas isso, passou a ser um programa nos moldes de um tribunal com júri e advogados de defesa e acusação. Pior: ficou proibido o uso de guitarras elétricas. O vencedor foi Paulinho da Viola, com Sinal Fechado, uma música, no caso dele, mais estranha do que aquele estranho festival
. A música brasileira pós-tropicalista era de autores que trafegavam no udigrudi, à margem do esquemão, do sambão comercial, parente distante do pagode romântico. Os ídolos do iê-iê-iê, que não aprenderam a lição tropicalista e continuaram insistindo no baladão romântico, ganharam um novo rótulo: brega. O Brasil entrava na fase mais pesada do regime militar. A censura implacável levou gravadoras a incentivar os falsos importados. Ou seja, cantores brasileiros que cantavam em inglês e se fingiam de americanos ou ingleses, como Fábio Jr, que gravava sob o pseudônimo de Mark Davis.
Apesar dos cuidados da Rede Globo, que proibiu recursos extra-musicais no Festival Internacional da Canção, os Mutantes aprontaram. No IV FIC, o último da década (que teria mais três edições), apresentaram Ando Meio Desligado com monstros no palco e ironizaram as vaias, com o corinho “Olê olê olá/o iê-iê-iê tá botando pra quebrar”.
O IV FIC foi uma espécie de apagar das luzes do tropicalismo, representado por Mutantes, Jorge Ben e Os Brasões. A vencedora da parte nacional foi a plácida e pálida modinha Cantiga por Luciana, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, cantada por Evinha (ex-Trio Esperança). Porém a que marcou o último grande festival da década foi Gotham City,” campeã moral” com Jards Macalé (parceria com Capinam), Os Brasões e arranjos de Rogério Duprat: “Partimos para esta experiência apoiados no trabalho de Caetano e Gil, procurando a libertação dos padrões surrados, a libertação do fácil”, comentou Capinam, sobre a última música tropicalista, nos camarins do Maracanãzinho (à revista Intervalo).
Depois de quase dois minutos do clássico tema de Batman (de Neal Hefti), Macalé dedicou a canção a Batman, Robin e a todos os morcegos do mundo”. Saiu do palco sob vaias retumbantes (se confessou realizado por ser vaiado) deixando ecoar no ar o brado/refrão da música: “Há um morcego na porta principal/cuidado/há um abismo na porta principal”.