Ringo: A História do Baterista Mais Famoso do Mundo Antes e Depois dos Beatles (Planeta, 445 páginas, R$ 79 ) é um dos raros livros, lançados no Brasil, sobre o inglês Richard Starkey, tido como um dos caras mais sortudos do mundo. Entrou para os Beatles às vésperas da banda embarcar para valer na mais bem sucedida viagem do rock and roll dos anos 60. O autor Michael Seth Starr (não é parente do baterista), enfatiza este dado na introdução. “Este livro provavelmente não existiria se John Lennon, Paul McCartney e Harrison não tivessem demitido Pete Best em agosto de 1962 e convidado Ringo Starr para se juntar à banda deles, The Beatles”.
O autor ressalta igualmente que não se espere mais uma narrativa sobre a banda em que Ringo tocou de 1962 a 1970. “Não espere um relato ano a ano, fato a fato sobre a vida da banda, nem minúcias relativas a sessões de gravação etc. Tudo isso já foi documentado exaustivamente em outros lugares”. O livro é, pois, a trajetória de Ringo até os tempos atuais. Naturalmente é impossível escrever sobre qualquer um dos quatro integrantes do Fab Four sem se referir ao grupo.Atente-se para o fato de que os Beatles fizeram parte da segunda geração do rock, considerado até então música para adolescentes. Ninguém precisava ser bom instrumentista para tocar rock, muito menos bateria. Apenas no jazz bateristas eram levados a sério.
“... Quanto ao baterista, podia ser até um gorila. Bateristas não são tratados realmente como seres humanos. Somos um pouco cidadãos de segunda classe. Eu estava dando meu melhor e fazendo umas paradas boas. Mas sentia que estava sendo ignorado. Queria ser considerado um membro da banda como todos os outros. Em resenhas dos discos e matérias sobre as músicas que estávamos tocando, muito poucos escritores notavam se eu estava tocando bem ou mal. Eu não teria me importado de eles dizerem que eu era uma droga, desde que mencionassem meu nome naqueles dias”, comenta Ringo em entrevista ao autor.
A biografia durante a fase de Ringo com os Beatles é, em muitos trechos, inevitavelmente redundante, mas muito boa a partir do fim do grupo. Considerado um músico de talento mediano que tocava com três músicos imensamente talentosos, em 1970, aos 30 anos, não se acreditava que a carreira do baterista fosse decolar. No entanto, um ano depois, ele estaria nas paradas do mundo inteiro, com It Don’t Come Easy, de sua autoria.
Especula-se que foi, em parte, composta por George Harrison, que não quis ser creditado. Harrison sempre foi discreto, mas não o suficiente para que Ringo não descobrisse que ele estava mantendo um romance com sua mulher, Maureen. Uma noite, em 1971, numa reunião na mansão do baterista, comprada de John Lennon, George virou-se para Ringo e disse que estava apaixonado pela esposa dele. “Maureen se retirou para um canto da cozinha e ficou parada ao lado da pia, congelada, olhando para o balcão. Ringo olhou para baixo, fitando a mesa. Ele bateu a cinza do cigarro no cinzeiro. Sua mandíbula ficou tensa, um músculo ao lado da boca tremeu. Finalmente, ele olhou para George. ‘Melhor você que alguém que a gente não conhece’, disse, numa voz firme”, um exemplo da notável fleuma britânica, porque Ringo e Maureen continuaram casados até 1973, e se divorciaram dois anos mais tarde.
O cara mais sortudo do mundo, o Beatle pouco talentoso, surpreenderia mais uma vez, com o álbum Ringo (1973), que teve a participação de John, George e Paul (porém não ao mesmo tempo, no mesmo estúdio). E deu no New York Times. “É um nocaute instantâneo, cheio de músicas incríveis e efeitos de produção sensacionais... O produtor Richard Perry trabalhou muito para conseguir uma obra-prima à beira do exagero. Por sorte, o senso de humor de Ringo a salva de cruzar o limite. Provavelmente um dos motivos para o álbum estar tão cheio de ideias musicais é que Ringo teve uma ajudinha de seus amigos – como John Lennon, George Harrison e Paul McCartney”, dizia o jornal.
Ringo, o álbum, rendeu quatro mega hits, mais do que qualquer um dos ex-companheiros de banda tinha conseguido até então. Os três Beatles voltariam a colaborar no álbum Ringo’s Rotogravure, um fracasso de vendas. Ringo também seria incensado pela crítica pelo papel desempenhado cinema, com filmes feito That’ll Be The Day, dirigido por Michael Apted e Claude Whatham.
Paradoxalmente, nesta época, morando em Los Angeles, Ringo Starr passou a circular com uma turma que cultivava os excessos, como Harry Nilsson, Keith Moon, John Bonham, Marc Bolan, John Lennon, entre outros. Dinheiro não era problema. Além do que arrecadou pelas canções nas paradas de sucesso, em 1975, Ringo recebeu sua polpuda parte do espólio dos Beatles, cuja dissolução oficial aconteceu naquele ano. Tanto dinheiro que, para escapar do voraz imposto de renda inglês, ele fixou residência no Mônaco. Gastou somas fabulosas nos cassinos, e em farras homéricas com John Bonham, baterista do Led Zeppelin. Só recuperaria a sobriedade no começo dos anos 1980, quando passou a viver com a atriz Barbara Bach (que conheceu quando filmavam Caveman, dirigido por Carl Gottlieb). Os dois se casaram em 1989.
Embora o sucesso o tivesse abandonado na metade dos anos 1970, e os filmes que fazia não eram estouro de bilheteria, curiosamente, depois da morte de John Lennon, em dezembro de 1980, o baterista se tornou o Beatle mais ameaçado pelos malucos de plantão. Ele e Barbara saíam sempre com seguranças. “Desde a morte de John, todos recebemos ameaças de morte. É como se algumas pessoas tivessem decidido que queriam ter seu próprio Beatle. É algo que faz você querer se tornar um recluso – assusta, mas não dá para deixar uma atitude terrível de um homem ditar toda sua vida”, disse o baterista.
Depois dos 70 anos, o patinho feio dos Beatles virou cisne. Em uma de suas listas de mais e melhores, Ringo Starr ficou colocado em quarto lugar entre os maiores bateristas de todos os tempos. Em 2014, sua fortuna pessoal era calculada em 200 milhões de libras (cerca de R$ 1,1 bilhão). Nesse mesmo ano, ele foi o último dos Beatles a ser admitido no prestigioso Hall of Fame, o “Salão da Fama”. Em meados do anos 1960, perguntaram a Ringo Starr como ele gostaria de ser lembrado. “Seria legal fazer parte da história, ou pelo menos de algum tipo de história”. Richard Starkey fez história.