Hélio Rozenblit faz revelações sobre acervo de gravadora

Produtor diz que fitas masters foram salvas das cheias
JOSÉ TELES
Publicado em 28/04/2019 às 9:41
Produtor diz que fitas masters foram salvas das cheias Foto: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem


Contam que o brigadeiro Eduardo Gomes, numa entrevista, foi perguntado sobre os 18 do forte, ou Revolta do Forte de Copacabana, célebre episódio da história brasileira, acontecido em 1922, e fez uma revelação bombástica. Os 18 do forte, na verdade, foram 21. O repórter então perguntou por que só naquele dia fazia tal revelação. E o brigadeiro: “Porque nunca me perguntaram”. Hélio Rozenblit, produtor no estúdio Somax, na Rua Imperial, poderia responder o mesmo que o brigadeiro Eduardo Gomes sobre um capítulo histórico da música pernambucana.

 Durante anos, lamentava-se que a grande enchente do Capibaribe, a de 1975, havia destruído o acervo da gravadora Rozenblit, localizada num dos pontos mais frágeis da cidade, a Estrada dos Remédios, em Afogados. No acervo estariam as fitas masters dos lendários álbuns psicodélicos produzidos nos estúdios da gravadora na primeira metade dos anos 70. Satwa, Marconi Notaro no Sub-Reino dos Metazoários, Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol, Flaviola e o Alegre Bando do Sol e Rosa de Sangue.

 Entrevistado, nesta semana, pelo JC, para um caderno especial sobre aquela cena sententista (que será publicado em maio), Hélio Rozenblit, filho de José Rozenblit, criador da gravadora, mostrou as fitas masters daqueles discos, todas impecavelmente bem conservadas. Por que ele nunca contou sobre estas relíquias, masters de álbuns raríssimos? Ele poderia repetir o brigadeiro: por que ninguém lhe perguntou.

 O acervo da Rozenblit, que fechou as portas em 1983, foi vendido para o grupo Comdil, do empresário João Florentino. Desde adolescente trabalhando na gravadora do pai, Hélio Rozenblit passou a trabalhar como produtor no estúdio Somax, de Florentino. “As máquinas, não tinha como ser retiraradas a tempo, foram cobertas pelas águas da cheia de 1975. Mas a maioria das masters foi salva. Como as águas chegavam aos poucos, as fitas, que ficavam em prateleiras de ferro, foram colocadas num lugar alto e não foram alcançadas. Foi muita água na cheia de 75. O piano ficou boiando, um Steinway depois recuperado e vendido para o Hotel São Domingos”.

 Os tapes a que Hélio se refere formam um catálogo dos mais preciosos da discografia brasileira. Maior companhia fonográfica do país fora do eixo Rio/São Paulo, a Fábrica de Discos Rozenblit, cujo primeiro 78 rotações foi lançado em 1953, não se limitou, como se pensa, à música regional, sobretudo o frevo. A gravadora mantinha o selo Mocambo para gravações de artistas locais (mas também que atuavam no Sudeste), depois o AU para os nomes de outros Estados. Além de lançar selos americanos, com música latina, blues, jazz.

 Hélio Rozenblit desde adolescente frequentava a gravadora, dirigida pelo pai e pelos tios. “Em 1972, fui servir o exército. Fiz o CPOR, entrei por amizade. Tinha sido dispensado pelo capitão. Então um major me viu e perguntou se eu era filho de José Rozenblit. Fui dizer que sim, e ele me mandou de volta para a fila. Foram dez meses no CPOR, mas uma experiência boa. Naquela época eu ficava pentelhando no estúdio, com Hercílio, o técnico de som. Lembro que peguei Alceu fazendo uma demo pra mandar pras gravadoras, nem lembro qual o estilo. Ele era muito jovem. Até brinco dizendo que ainda usava fraldas, o disco que produzi todo e sozinho foi o Paêbirú”, conta.

 Ele foi produtor do álbum Paêbirú, de Lula Cortes e Zé Ramalho, que ganhou status de suprassumo das raridades, um dos mais cobiçados da música brasileira, gravado poucos antes da cheia de 75. A Rozenblit sofreu outras três enchentes, em 1966, em 1970, e em 1977, esta a última. Depois disto virou terra arrasada. O estúdio, que quando implantado era o mais moderno da América Latina, continuou a funcionar depois das inundações, mas estava obsoleto. A empresa teve créditos negados e acabou indo a leilão para pagamentos, sobretudo, de dívidas trabalhistas. Acabou-se mais deixou uma história que ainda está merecendo um livro.

 A Mocambo, como era conhecida, por causa selo principal, abrangia um amplo leque de gêneros e estilos. Foi pioneira em LPs de novelas de TV, de festivais, de cultura popular (ciranda, pastoril, repentistas), chegou a manter filiais no Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul. A filial carioca foi dirigida por João Araújo, fundador da Som Livre (depois ficaria conhecido como “o pai de Cazuza”), também presidente da RGE. Araújo, por sinal, empregou a experiência adquirida na Rozenblit na Som Livre, sobretudo o disco de novela, o filão inicial da gravadora ligada ao Sistema Globo.

DIGITALIZANDO

 “Depois que a fábrica fechou, meu pai vendeu o acervo para João Florentino, que é proprietário de todos estes fonogramas. Documentos, perderam-se muitos, resta alguma coisa, mas as fitas perderam-se muito poucas. Pelo menos até agora não senti falta de nenhuma. Sempre que procuro alguma, encontro”, conta Hélio Rozenblit, que está empreendendo um trabalho de remasterização e digitalização dos discos da gravadora e repondo o catálogo, aos poucos, nas plataformas digitais: “Você vai no Spotify, por exemplo, e tem lá Rozenblit Music, com muitos discos da Rozenblit”.

 Ele acessa o Spotify e toca um disco raríssimo de Nelson Ferreira, Evocações de Nelson Ferreira - Em Piano e Conjunto de Cordas (Valsas), lançado em 1958). No Spotfy pode-se degustar álbuns da Rozenblit de que poucos se lembravam, raridades como Palácio de Iemanjá - Pai Edu ao Vivo, lançado em 1972, numa época em o pai de santo olindense era o mais popular do país. Pai Edu canta com um coro feminino. Bobby de Carlos, Silvio Caldas, Ismael Silva, Carmélia Alves, Zé Kéti, a lista é grande. E vem mais por aí. Hélio Rozenblit adianta que pretende, por exemplo, hospedar nas plataformas toda a rara e antológica série de LPs anuais denominada Capital do Frevo.

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