Woodstock: um fracasso histórico e lucrativo

Dois jovens milionários bancaram o festival
JOSÉ TELES
Publicado em 05/08/2019 às 10:12
Dois jovens milionários bancaram o festival Foto: Foto: Divulgação


O festival que celebraria os 50 anos do Woodstock Music & Art Fair foi cancelado. A culpa maior é da Dentsu Aegis Network Ltd, multinacional de comunicação de mídia e marketing digital com sede em Londres, que garantiria a realização do evento, mas retirou o patrocínio, quando a programação já tinha sido anunciada. Michael Lang, que produziu o festival de Woodstock de 1969, tentou outros locais, mas os artistas que estavam comprometidos com o evento, entre outros, Jay Z, The Killers, Imagine Dragon, Carlos Santana, anunciaram que estavam fora. O último local onde o festival seria realizado, e como um evento aberto ao público, foi Merriweather Post Pavilion em Columbia, Maryland.

Michael Lang desistiu e confirmou que participará de um festival de menores proporções em Bethel, onde aconteceu o festival original. Nisso lembra o festival original, programado para a cidade de Woodstock. Mas os habitantes da pequena cidade no estado de Nova Iorque foram contra. Os organizadores conseguiram alugar uma fazenda, a um cara chamado Max Yasgur, na vizinha Bethel, cujos moradores também não quiseram o festival. Expressaram isto com uma enorme placa de protesto: “A população local brada. Parem com o festival de música de Max Yasgur. Não queremos 150 mil hippies aqui”.

A Dentsu Aegis não tem muito a ver com música psicodélica ou com hippies, como tampouco tinham Joel Rosenman e John Roberts, dois jovens recém-formados, com muito dinheiro, e sem saber o que fazer com ele. Não pretendiam investir na bolsa, ou afim. Estavam impregnados do espírito da época, queriam empregá-lo em algo criativo. Em 22 de março de 1967, publicaram um anúncio no New York Times: “Jovens com capital ilimitado procuram propostas de negócio, e oportunidades de investimento legais e interessantes”.

As propostas que lhes chegaram iam do risível ao absurdo. Uma geladeira que avisa quando algum alimento acabasse, uma engenhoca capaz de provocar orgasmos chocantes, um instrumento capaz de ensinar canto a pica-paus. Estavam desistindo da empreitada, quando já em 1968, um amigo disse que conheceu dois caras que queriam construir um estúdio de gravação. Roberts e Rosenman tornaram-se sócios do estúdio.

Em 2 de fevereiro de 1969, Michael Lang e Artie Kornfeld, dois cabeludos, foram ao escritório de Joel Rosenman e John Roberts. Também vinham propor a montagem de um estúdio, este em Woodstock. Alegaram que o lugar estava repleto de moradores artistas que precisavam vir à Nova Iorque para gravar, Bob Dylan, Tim Hardin, The Band, e The Lovin’ Spoonful, alguns deles. Com o estúdio, seria o pessoal de NY que viria gravar em Woodstock. Quando Lang e Kornfeld voltaram com os planos do estúdio no papel, incluíram um concerto para promover o projeto. Convidariam os músicos da vizinhança, e poderiam ter a sorte de Bob Dylan dar uma canja (ele se afastara desde 1966 dos palcos).

Do concerto promocional, passaram ao festival, um disco e um filme. O Creedence Clearwater Revival foi a primeira banda contratada, a americana mais badalada do momento. Pediram dez mil dólares por uma apresentação de uma hora. A confirmação do CCR atraiu interesse por participações no festival. Vieram em seguinte o cantor folk Tim Hardin, o Canned Heat, John Winter, até que se completou o elenco, sem The Beatles, The Rolling Stones, The Who, ou Bob Dylan, os primeiros nomes cogitados.

Destes só conseguiram The Who. O grupo estava no final de uma extensa turnê pelos EUA, e não queria nem discutir. Não queriam tocar em Woodstock. Acabaram concordando por 12.500 dólares. Mas sairiam do palco do festival de helicópteros para o aeroporto em Nova Iorque, onde embarcariam direto para a Inglaterra.

HISTÓRIA

Ninguém imaginaria que o festival entraria para a história do século 20. E assim como aconteceu a parceria entre os dois milionários e os dois hippies, o sucesso veio por acaso, depois do prejuízo consumado no investimento que chegou a 457 mil dólares, uma fortuna mesmo 50 anos depois. Inicialmente era esperado um público de 50 mil pessoas. Depois se estimou que viessem 150 mil. Não deve ter chegado ao propalado número de 400 mil pessoas, mas pelo menos 250 mil compareceram.

Derrubaram as cercas, e viu-se que a grande preocupação com a segurança foi infundada. Foram realmente três de paz, amor e música, porém com falta de comida e água potável. Muita gente não conseguiu chegar ao festival presa num engarrafamento monstruoso, que dificultava até a vinda dos artistas. Bob Meurice e Michael Wadleigh, e Eric Blackstead, o trio que salvaria o empreendimento de um fracasso que entraria para a história do show business.

Os dois primeiros fariam o documentário Woodstock, o segundo selecionaria a música dos cinco discos lançados em 1970, um álbum triplo, e outro duplo. Joel Rosenman e John Roberts, no entanto, cometeriam ali um erro que lamentariam por muito tempo. Meurice e Wadleigh queriam que eles bancassem os 100 dólares que gastariam no documentário (os custos finais chegaram a 600 mil dólares), e teriam direito a 100 por cento do que fosse lucrado com o filme. Não toparam. preferiram se contentar com 50 por cento.

O doc ganhou dois Oscars, e renderia 50 milhões de dólares, somente nos Estados Unidos. Os álbuns adicionaram mais lucros aos produtores, graças ao trabalho de Eric Blackstead, que supervisionou o que foi gravado durante o evento, e selecionou o que sairia nos discos. Com intervenções não muito republicanas. O microfone de Arlo Guthrie falhou. O que se escuta no disco não foi gravado no festival, mas em um clube em Los Angeles. Duas das canções do Crosby, Stills, Nash & Young vêm de gravações no Fillmore East, em Nova Iorque.

Blackstead proporcionara um dos momentos de emoção no festival que aconteceu de 15 a 18 de agosto. Ele faleceu em 2015, suas cinzas estão num apartamento em New Jersey. Os amigos as levarão para Bethel e espalharão pela grama da hoje lendária fazenda de Max Yasgur

 

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