Alceu Valença dialoga com as artes no palco

Novo show do cantor é trincheira cultural
JOSÉ TELES
Publicado em 26/09/2019 às 7:17
Novo show do cantor é trincheira cultural Foto: Foto: Divulgação


“Quando eu canto o seu coração se abala/Pois eu sou porta-voz da incoerência/Desprezando seu gesto de clemência/Sei que meu pensamento lhe atrapalha/Cego o sol seu cavalo de batalha/E faço a lua brilhar no meio-dia”. Alceu Valença entoa esta estrofe de Agalopado (de 1977) como se fosse um cantador de viola, inclusive carregando no sotaque. Pretende, com isso, reforçar que, por mais que se valha de instrumentos modernos, de novas ferramentas, no cerne de sua composição está a telúrica cultura nordestina, com a qual cresceu em São Bento do Una, sua cidade natal, no Agreste pernambucano.

Ele enfatizará estas vivências no show Amigo da Arte, que apresenta neste sábado, 21h, no Teatro Guararapes. Alceu desfia um repertório bem conhecido, com Anunciação, Papagaio do Futuro, Belle de Jour, entre outras (e uma única nova canção, Eu Vou Fazer Você Voar). No entanto, Amigo da Arte é um dos espetáculos mais ousados já apresentados por Alceu Valença. Vai além do entretenimento. O show é, ao mesmo tempo, um enfrentamento ao enquadramento, cada vez mais palpável, das manifestações culturais.

Alceu realça a importância das artes, e o quanto elas estão entranhadas em sua obra. Na citada Agalopado, que abre o repertório, além de seguir a métrica dos repentistas, nos versos da canção estão embutidos grandes e díspares criadores, Guimarães Rosa (“viro rosa, vereda de espinhos”), Drummond (“viro pedra no meio do caminho”) e o espanhol Cervantes (“Dom Quixote liberto de Cervantes”). Um roteiro que poderia ter um guia para acompanhá-lo.

 Na canção Grilo Dá, são citados os heróis amarelinhos do Nordeste: “Me refiro aos grilos da literatura de cordel, João Grilo, Viramundo, Malasarte, o próprio Ariano, Macunaíma, que não é só do Nordeste. Nossos mitos populares engolindo o homem-aranha. Os meus mitos. O homem-aranha é muito menos interessante do que Pedro Malasarte, é a literatura de cordel, em que uso instrumentos absolutamente modernos”.

VIAGENS

 Em Amigo da Arte, ele viaja pela literatura, pelas artes plásticas e, óbvio, pela música. Viaja também por Oropa, França, Bahia que, por sinal, é música sua (de 1988), em que homenageia três poetas. Relembra Loa de Lisboa, canção dedicada ao jornalista recifense Duda Guennes, que viveu na capital portuguesa desde os anos 70 (faleceu em 2011), e o poeta Fernando Pessoa. “Duda morava na Rua da Mãe d’Água, perto da Praça da Alegria, que cito na letra. Fomos eu, ele e a banda para a Mouraria ouvir uns fados. Quando voltamos, chovia, saímos pela chuva, e eu comecei a cantar e criei o refrão da música (cantarola o refrão: Chove chove chuva fria/Chove na Cidade Alta/Chove sobre a Mouraria/Chove na Cidade Baixa). No dia seguinte, terminei a música. No show recito Tabacaria (poema de Pessoa, de 1928, assinado como o heterônimo Àlvaro de Campos).

 De Lisboa para a Holanda, onde gravou o álbum Mágico, uma visita ao museu com as obras de Van Gogh o inspirou a compor Girassol. De Amsterdã para a Olinda, onde pintores pernambucanos são evocados, em Estação da Luz: “Quando falo em azul na música me refiro ao poeta do azul, Carlos Penna Filho, que foi meu vizinho na Rua dos Palmares. Faço uma homenagem aos pintores de Pernambuco, alguns paraibanos, feito João Câmara, também Marcos Cordeiro, Tiago Amorim, e outros que moravam em Olinda. Igualmente uma viagem no tempo, em Embolada do Tempo: “É o tempo tríplice, que em si não tem fim, nem começo. Presente, passado e futuro, tudo ao mesmo tempo. Gilberto Freyre fala no tempo tríplice, sempre pensei assim, acho que o ser humano está ligado ao seu passado, com seu HD de memória, no presente, agora falando com você, e projetando coisas, como o show”.

Alceu comenta o roteiro do show, falando rápido, como se não tivesse tempo a perder. Interrompo-lhe para perguntar o que ele anda lendo atualmente. Responde rápida e sinteticamente: “Eu escrevo mais do que leio, já li demais”. De suas leituras e convívio com escritores, fisgou citações que permeiam o show. Citações a Rubem Braga (em Na Primeira Manhã), Mário Quintana (Senhora Dona), Gabriel Garcia Marques (Solidão), o filósofo Thomas Hobbes (Seixo Miúdo). Uma estreita e profícua amizade com as artes.

 Show Amigo da Arte, com Alceu Valença e banda – sábado, 21h, Teatro Guararapes ( Centro de Convenções, Olinda). Ingressos: plateia: R$ 160 e R$ 80. Balcão: R$ 120 e R$ 60. Sócio do JC Clube tem 50% de desconto na compra de até dois ingressos na bilheteria do evento

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