Doces Bárbaros há 40 anos Faziam um Histórico Show no Geraldão

Turnê foi tumultuada mas também o acontecimento musical do ano
JOSÉ TELES
Publicado em 02/10/2016 às 9:58
Turnê foi tumultuada mas também o acontecimento musical do ano Foto: foto: divulgação


Caetano Veloso e Gal Costa vestiam­se quase iguais. Calças folgadas brancas com uma túnica da mesma cor. Ela se adornava com muitas correntes e pulseiras. Ele ostentava uma corrente no pescoço com uma âncora dourada. Estavam bem dispostos e receptivos ao receberem a imprensa no hall do Hotel Vila Rica, na Avenida Boa Viagem, para quem concederam uma coletiva cujo tema era o grupo Os Doces Bárbaros, formado pelos dois, mais Maria Bethânia e Gilberto Gil. A entrevista foi concedida na véspera da apresentação do quarteto no Geraldão, realizada num dia 2 de outubro, há exatos 40 anos.

Maria Bethânia, alegou estar com um problema de azia e não desceu. Gilberto Gil só chegaria à noite com o grupo e o equipamento, provavelmente uma estratégia para evitar perguntas incômodas sobre sua prisão por porte de maconha, dias antes, em Florianópolis. Os Doces Bárbaros seria o acontecimento musical do ano de 1976, mesmo com os percalços que tiveram que enfrentar da preparação ao final da turnê (depois do Recife foram para Salvador, Porto Alegre e Brasília). Ainda com clima de contracultura, meio riponga, Gilberto Gil e Caetano Veloso eram espécies de gurus, estavam longe do status de superestrela da música popular.

À entrevista no Vila Rica compareceram três jornalistas e vários universitários: "Não tem assim um ponto alto. Todas as partes estão boas. Ninguém cansa. Mas talvez os solos de Gal e Bethânia consigam, vamos dizer, entusiasmar, prender a atenção da plateia", comentário de Caetano Veloso. O batismo do grupo veio de uma sugestão de Caetano Veloso, embora a ideia de se despir das identidades próprias para se assumir como integrante de um conjunto vocal, deva­-se a Bethânia:

"Ele fez uma música chamada Os Mais Doces Bárbaros. Foi a primeira ainda sob aquela aura criada pela surpresa, quando Bethânia sugeriu que fizéssemos alguma coisa juntos. Depois da música pronta, Caetano deu várias possibilidades de títulos para o show O Mais Doces dos Bárbaros, Os Doces Bárbaros e Doces Bárbaros, que a gente achou mais legal", explicou Gilberto Gil, em entrevista ao Jornal do Brasil, em maio de 1976.

Na citada entrevista ao JB, Gil, ao comentar sobre o figurino que usariam no show definiu também o que era os Doces Bárbaros: "Levaremos para o palco toda nossa postura que a gente está tendo hoje dia com essa coisa de vestir... Mas a gente não quer uniformizar ou cair no folclórico. É o que a gente usa, Rolling Stones, turbantes, oriente, tudo junto, África, Nova Iorque".

No Recife, os jornais anunciaram que o grupo aterrissaria na cidade em julho, para quatro shows no Teatro do Parque. No dia 8 de julho, no entanto, noticiava­-se nas primeiras páginas, a prisão de Gilberto Gil, em Florianópolis. Foram encontrados com o cantor uma quantidade de erva que, segundo o delegado, daria para fazer 13 cigarros. Mais um já pronto estava na carteira. Os shows na capital catarinense foram cancelados. Gil, condenado, permaneceu preso. Caetano ficou na cidade, enquanto Gal Costa, Maria Bethânia e a equipe foram para Porto Alegre de onde continuariam a turnê.

Atribuiu­-se à prisão de Gilberto Gil a mudança de local do show, do relativamente modesto Teatro do Parque, para o imenso Geraldão. A badalação traria mais gente ao show, cujos ingressos estavam sendo vendidos a salgados CR$ 80 e CR$ 40.

NA PLATEIA

O hoje cantor e compositor Geraldo Maia, há exatos quatro décadas, estava nas arquibancadas do lotadíssimo Geraldão no show dos Doces Bárbaros. Não se poderia sair incólume daquela experiência. Com ele não foi diferente. Geraldo deu seu depoimento sobre ter visto os Doces Bárbaros: "Eu devia ter 16, 17 anos, por aí. Foi muito impactante. Todos os shows que vi no Geraldão naqueles anos foram uma coisa muito forte pra mim. Vi o de Caetano, aquele que alguém gritou da plateia tá chupando, né veado, enquanto ele fazia aqueles sons guturais em Assum Preto (Em 22 de janeiro de 1972, a agressão levou Caetano a rodar a baiana, interrompendo o show e dando um esporro histórico no palco).

Além disso foi nessa época que eu fumei maconha. Então tinha essas coisas todas de ditadura, desbunde, contra­cultura e minha homossexualidade aflorando medrosa no meio desse vendaval todo. Os Doces Bárbaros foi um show lindo, exuberante, afiado. Não lembro a música agora, mas tinha um momento que Caetano e Gil dançaram um tempão no final da música, incrível aquilo. Lembro muito desses shows". Maia ainda relembra: "A polícia meio truculenta, dava um certo medo. Tudo era novo e às vezes meio estranho pra mim. Acho que esses momentos foram fundamentais, consolidaram em mim o desejo de cantar, de fazer da música meu ofício. Foi vendo eles, esses shows, a transgressão, a coisa provocativa deles, tudo enfim, que me animou o espírito. Eu era muito reprimido, vivi uma crise muito forte na adolescência, e aquilo tudo funcionou como um antídoto"

TAGS
doces bárbaros 40 anos
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory