Luiz Melodia, no início dos anos 70, desceu do morro de São Carlos, no Estácio, para o asfalto, incensado pela crítica, e gravado pelas baianas Gal Costa e Maria Bethânia, era o novo em 1972. Um negro com raízes no morro, mas que não era do samba, e até podia ser: "Ele não representa nenhuma atitude intelectual diante da crise, diante dessa coisa de raízes, de influências externas. O Melodia simplesmente é isto tudo, é o Estácio, e é os Beatles, é o samba e o rock. Ele é todas as medidas, sem medo e sem preconceito", declarou Jards Macalé, em 1973, definindo o jovem de 22 anos, que entrou em cena, quando a MPB se renovava, com artistas surgidos depois que abaixou a poeira do quebra-quebra tropicalista. Músico morreu na sexta-feira (4/8) de câncer, aos 66 anos.
Nascido Luiz Carlos dos Santos, filho de sambista de prestígio, Osvaldo Melodia com costureira Eurídice, logo enveredou por outros rumos musicais, tocando num conjunto de iê-iê-iê, Os Instantâneos, que fez jus ao nome. Durou muito pouco tempo. Foi office-boy, operário, comerciário, não parava em emprego, vivia da mesada mirrada do pai. Foi se introduzindo nas rodas de músicos, intelectuais da Zona Sul carioca, até que Gal Costa gravou Pérola Negra (composta quando tinha 18 anos e servia o exército). Melodia, no entanto, não demorou a ganhar o crachá de maldito, que o acompanharia por toda carreira.
A dele foi uma geração de muitos malditos, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Jorge Mautner, Jards Macalé, Walter Franco, músicos de talento reconhecido, mas que não cediam às concessões, batiam de frente com gravadoras, desagradavam ao pessoal de rádio e TV. Em 1974, Luiz Melodia foi dispensado da poderosa Phillips do Brasil (com Sérgio Sampaio e Jards Macalé). Por motivos óbvios: não vendia a quantidade de discos estimada pela gravadora. Caiu no ostracismo, mal começara a carreira.
Três anos depois do disco de estreia, João Araújo o abrigou na Som Livre, onde Melodia gravou o segundo álbum, a obra-prima Maravilhas Contemporâneas, com direito a música em novela (Juventude Transviada, na trilha de Pecado Capital, 1976). Por coincidência ele lançaria o último disco de estúdio, Zerima (2014) pela Som Livre. Sua carreira foi errática, tanto nos discos quanto no palco. O talento, porém jamais foi contestado. Morreu muito cedo, aos 66 anos, em decorrência do traiçoeiro câncer de medula óssea, no hospital Quinta d?Or, no Rio de Janeiro.
Ele antecipou o epitáfio já em Pérola Negra, o primeiro LP: "Sou peroba, sou a febre/ quem sou eu/sou um corpo que viveu/corpo humano que morreu" (de Abundantemente Morte).
Luiz Melodia estreou em palcos pernambucanos no dia 2 de fevereiro de 1973, no I Festival de Verão de Nova Jerusalém, que trazia um elenco estelar para o Agreste do estado. O festival era vendido, pernambucanamente, como o maior show de MPB de todos os tempos. Naquela época merecia o superlativo, pois levou para Nova Jerusalém Gilberto Gil, Gal Costa, Quinteto Violado, Vinicius de Moraes e Toquinho. Além desses, para participações especiais, os "alternativos" Jorge Mautner, Luiz Melodia e Marcelo Costa. Melodia faria uma apresentação curta, 40 minutos, que quase não conseguiu completar.
As vaias irromperam mal começou a cantar Farrapo Humano. Tocando para sua maior plateia até então (estimadas dez mil pessoas) o carioca de 22 anos tremeu. Continuou inseguro, mas foi corajoso ao cantar uma composição ainda, inédita Maravilhas Contemporâneas. A vaias diminuíram de intensidade, mas aqui, ali ecoava um xingamento racista. Passaram a jogar no cantor pedras, e latas de cerveja (latas pesadas, de latão).
Gilberto Gil veio para o palco para apoiar Melodia. Súbito, um curto-circuito num amplificador. Gil pede calma. As vaias continuam, Gilberto Gil dirige-se ao público falando expressões em iorubá. Luiz Melodia conseguiu terminar o show. Chorou no backstage.