Na placa feita em latão dourado lê-se: Restaurante Leite. Há exatos 130 anos o nome e o lugar são os mesmos. Já não se sabe mais o que é rua, o que é restaurante.
Ao passar pela porta de vidro, ainda está lá, na mesa 19, Gilberto Freyre saboreando uma cartola “preparada de modo especial”. Lá, encontra-se também, um pouco mais ao centro, o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Para ele, um supremo de garoupa ao molho de camarão ou um tornedor ao molho madeira. Mais à esquerda, trinta cadeiras vazias ao redor de uma mesa. É que Assis Chateaubriand, Chatô, ligou reservando. Pediu apenas quinze lugares, mas o garçom sabe que sempre aparecem mais outros quinze “babões”. Ainda vivem, ali, milhares de histórias impregnadas no recinto.
Nesta quinta (27), em festa de comemoração, o chef Bigode inaugura o prato Bacalhau à Manoel Leite, em homenagem ao homem que fundou o Leite em 1882. Ao saborear a sugestão, o cliente leva um prato especial. As reservas para a festa já se esgotaram.
LEITE E AMOR
Uma vez, cerca de dois milhões de dólares foram oferecidos por empresários para a compra do restaurante. Podia ser o quádruplo, e Armênio Dias, atual proprietário, continuaria dizendo não. "Tem gente que entra aqui e chora de emoção"”, conta. Aos que pensam que tanto apego é material, não se iludam. O retorno financeiro não é muito, a manutenção requintada custa caro, mas, assim como a rua, não sabe mais o que é restaurante, o que é paixão.
O ano era 1955 quando a família Dias tomou as rédeas do negócio. Armênio, então com 24 anos, criou gosto pela ideia.
“TENHO CEM REAIS”
Se o restaurante recebeu visitas e elogios vindos de celebridades como Freyre, J.K, Chatô, Sartre, Simone de Beauvoir, João Pessoa, João Goulart, Carlos Pena Filho, Francisco Brennand, Miguel Arraes e tantos outros, foi sala de visita, também, para muitas histórias anônimas. Como a de uma senhora humilde que juntara cem reais para desfrutar, sozinha em sua mesa, as iguarias do restaurante. “"Eu tenho cem reais, pode ir trazendo até onde der”, disse ao garçom", Foi embora antes que Mônica Dias, filha de Armênio, pudesse lhe presentear com um vinho do Porto.
Ou então o casal que comemorou 25 anos de alianças trocadas no Leite. "“Eu havia dito que a traria para almoçar aqui quando nos casássemos. Mas só depois de 25 anos estou podendo pagar”, confessou o homem ao funcionário da casa".
O restaurante se tornou parte da cidade e da história. Viu a abolição da escravatura, a Proclamação da República, a revolução de 1930, o golpe de 1964... Um dos motivos aos quais Armênio atribui o sucesso da casa é ter feito do corpo de funcionários uma família.
Afirmação com a qual concorda seu garçom mais antigo, Agnaldo Antônio, 47 anos, desde 1985 no local. "Aqui me sinto como se estivesse em casa", diz ele, que já atendeu personalidades como Cláudia Raia e Camila Pitanga.
Leia a matéria completa no Caderno C desta quinta-feira (27).