50 anos de 'Summer of Love': um verão inesquecível

Direitos civis, guerra no Vietnã e amor livre entraram na pauta
JOSÉ TELES
Publicado em 25/03/2017 às 13:45
Direitos civis, guerra no Vietnã e amor livre entraram na pauta Foto: Foto: Reprodução


Os anos 60 começaram quando quatro universitários negros entraram na cafeteria Woolworth, em Greensboro, na Carolina do Norte. Não foram atendidos e passaram a tarde inteira sentados nos bancos diante do balcão. No dia seguinte, voltaram com mais 30 pessoas, entre elas alguns brancos. O protesto paroquial transformou-se em movimento nacional. Os anos 60 acabaram em 1970, na Universidade de Kent, em Ohio, quando a polícia matou quatro estudantes durante um protesto contra a invasão do Camboja pelas tropas americanas. Há quem cite outros marcos delimitando a abertura e fechamento da mítica década, que há 50 anos vivia o que a mídia rotulou como o “Summer of Love”.

 

 

O Verão do Amor foi o auge do movimento hippie. E por movimento entenda-se movimento mesmo. De repente, Sal Paradise e o amigo Dean Moriarty, personagens do romance On The Road, de Jack Kerouac, multiplicaram-se em centenas de milhares de rapazes e moças que meteram o pé na estrada. San Francisco, na Califórnia, era o destino da maioria, a meca para eles, Haight-Ashbury.

 

O Verão do Amor começou no inverno de 1967, no dia 1º de janeiro, com o primeiro “gathering of tribes”, literalmente, “junta-tribos”, no Golden Gate Park, que reuniu hippies e ativistas contra a Guerra do Vietnã. O hino do junta-tribos era Let’s Get Together, do Jefferson Airplane, a banda mais popular de San Francisco, uma canção lançada dois anos antes. “Ei pessoal, agora/sorria para seu irmão/quero ver todo mundo junto/amem-se uns aos outros, agora”. Mas, as tribos que chacoalhavam seus colares de contas, viajavam com ácido, cantavam e dançavam e se amavam, seguiam normas. Como aponta Todd Glitlin, no livro The Sixties – Years of Hope, Days of Rage (Os 60s - Anos de Esperança, Dias de Ira), “pela primeira vez a cultura adolescente estava sendo infiltrada por grandes ideais”.

 

 

Súbito, os jovens não se limitavam mais a Coca-Cola, hambúrgueres e rock'n'roll. Marchavam pedindo o fim da guerra, interessavam-se por filosofias orientais, alimentação alternativa, e expandiam a mente com drogas alucinógenas.

 

Dentro deste novo panorama cabia tudo, e tudo passou a ser cabível. Estudantes protestavam contra a guerra no Vietnã e também contra a obrigatoriedade de se deixar a porta do quarto aberta, nos alojamentos universitários, quando se recebesse visitas do sexo oposto. Em abril de 1967, um herói nacional, Muhammad Ali, recém-convertido ao islamismo, recusou-se a uma convocação do Exército. Foi sentenciado a cinco anos de prisão, perdeu o título de campeão mundial dos pesos-pesados, e ficou proibido de lutar nos Estados Unidos.

 

Era o fim da civilização ocidental concordavam, em polos opostos, o professor Timothy Leary, do slogan, “Antene-se, ligue-se e caia fora”, e o político racista do Alabama, George Wallace, contrário ao fim do segregacionismo racial. Bob Dylan, visionário, tinha avisado três anos antes, “Seus filhos e filhas estão fora do controle/mas não critiquem o que vocês não entendem/porque os tempos estão mudando” (The Time They Are A-Changing, 1964).

 

A geração “baby boomer”, os nascidos durante ou logo depois da Segunda Guerra Mundial, abdicavam da segurança e fartura que desfrutavam em casa, abandonavam cursos universitários que lhes garantiria o futuro, e passavam a viver em comunidades, pegavam carona para os be-in, os festivais, que mudavam de perfil. O de Monterey na Califórnia, até então dedicado ao jazz e à música folk, em junho de 1967, investiria no novo rock americano e inglês. Foi uma edição tão histórica quanto a de três anos, quando Bob Dylan ousou plugar uma guitarra e tocar rock num templo de raízes musicais.

 

Mas o Verão do Amor foi uma bolha de paz, amor, em meio ao conturbado ano de 1967, que desencadeou a reação conservadora que tomou o poder em 1968. Em abril de 1965, 25 mil pessoas participaram da primeira grande passeata contra a guerra do Vietnã, onde 25 mil norte-americanos combatiam os vietcongues. Em 1967, o número de manifestante era impossível de determinar, já que as passeatas pipocavam pelos EUA afora (e em vários países, inclusive no Brasil). Já a quantidade de soldados saltara para 486 mil, com 15 mil mortes, 60% acontecida no ano do Verão do Amor.

 

REPRESSÃO

 

Nove meses depois, os hippies viraram caso de polícia. Mais do que isso. Em San Francisco, o hippie que lhe oferecia, fraternalmente, LSD, STP ou um baseado podia ser um policial disfarçado. E chegou o outono do Verão do Amor, simbolizado pelo fechamento da Psychedelic Shop, emblemático e badalado estabelecimento comercial da jurisdição de Haight-Ashbury, em Frisco.

 

A cerimônia fúnebre psicodélica não prescindiu de um artifício careta, o convite: “Os amigos estão convidados a participar das exéquias, que começa no alvorecer de 6 de outubro de 1967, no Buena Vista Park”. No ataúde, cópias dos jornais Barb e Oracle, que divulgavam a comunidade hippie, barbas (sic), colares de contas, e dois quilos de maconha”.

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