Quilombos são comunidades étnicas de resistência no Brasil

Centros de resistência e convivência de pessoas escravizadas que fugiram ou se libertaram até o século XIX, algumas dessas comunidades atravessaram os anos
AFP
Publicado em 29/12/2017 às 15:57
Centros de resistência e convivência de pessoas escravizadas que fugiram ou se libertaram até o século XIX, algumas dessas comunidades atravessaram os anos Foto: Foto: Mauro Pimentel/ AFP


A história da escravidão no Brasil não pode ser contada sem outra, paralela: a dos quilombos. Centros de resistência e convivência de pessoas escravizadas que fugiram ou se libertaram até o século XIX, algumas dessas comunidades atravessaram os anos e existem até hoje pelo país.

Enquanto a escravidão foi legal no Brasil, até 1888, a palavra quilombo definia um grupo de escravos fugidos. Segundo o  antropólogo Filipe Juliano, doutorando do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudioso do tema, esse termo vem da língua kongo, falada nos territórios hoje de Angola e Congo, para definir acampamento. "No Brasil, o primeiro registro do termo é feito no Conselho Ultramarino português de 1740. Nessa época, tinha um significado que poderia ser traduzido quase literalmente como quadrilha", conta.

Segundo a legislação mais recente, são considerados remanescentes quilombolas "os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida".

"Ele sai, então, de uma classificação praticamente criminal para a de hoje, que é positiva, uma comunidade que tem história, cultura, comida, música", define Juliano.

"Essa definição legal é interessante porque concretiza uma luta dos grupos que se identificam como quilombolas", explica Marta de Oliveira Antunes doutora em Antropologia também pelo Museu Nacional.

Nas Américas

Essas comunidades não são um fenômeno exclusivamente brasileiro. "O quilombo aconteceu em todo lugar onde houve escravidão", afirma Juliano. "Onde houve escravidão, houve resistência. Então, a forma era a fuga e o isolamento". Os "maroons" do sul dos Estados Unidos, o "palenque" de Esmeraldas, no Equador, os "bushinengues" da Guiana Francesa e do Surianame são alguns dos exemplos desse tipo de concentração.

"Mas o Brasil é muito grande, o processo de escravidão foi muito longo, então a quantidade de quilombos aqui é incomparável", explica Antunes. A mais importante história de resistência do país é a do quilombo de Palmares. Surgida no século XVI, a comunidade teria chegado a reunir 30 mil pessoas, com um grau elevado de organização social e de resistência ao poder colonial. "Palmares é uma imagem simbólica muito importante, com nomes de heróis como Zumbi, Dandara. Tem uma dimensão guerreira muito forte, de resistência, de luta", diz a antropóloga.

Resistência 

O quilombo de Palmares se desfez, após guerras e acordos, no século XVII, mas se mantém forte no imaginário nacional, sobretudo destes grupos que até hoje lutam para existir. Juliano conta que, mesmo após o reconhecimento dos remanescentes quilombolas na Constituição Federal de 1988, muitos grupos tinham medo de se identificar assim.

"O trauma da escravidão era tão forte que o primeiro movimento é repelir e se afastar de qualquer possibilidade disso", relata. Antunes indica, contudo, que as políticas afirmativas, sobretudo a partir do Decreto 4887 do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ajudaram as mais de 2 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil a reencontrar sua autoestima.

"A partir de 2003, você começa a ter vários quilombos com grau de alfabetização maior, novas funções, e valorização da comunidade quilombola. Há um processo de mudança da forma como são enxergados pelo entorno, e essa identidade os ajuda a lidar com o racismo e se valorizarem", defende.

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