Recife avança um passo na empreitada de consolidação de uma comunicação pública, capaz de ampliar os espaços de representatividade cultural e social da cidade. O estabelecimento da nova programação da Rádio Frei Caneca FM (101.5) coloca cultura local e direitos humanos em foco. Além dos programas fixos, a sociedade civil terá oportunidade de apresentar ideias de programas temporários transmitidos durante um ano na rádio. Salada Pop e Batucada, que estrearam este ano, se unem ao veterano Revista Difusora, compondo a produção permanente da casa. Já os provisórios, aprovados no edital 2018/2019, estreiam em agosto e não ficam para trás em termos de qualidade.
Desde 2012, o apresentador e gerente de programação Patrick Torquato (Difusora) se empenhou na missão de realizar consultas públicas para descobrir os anseios da sociedade em relação ao conteúdo. Estreando em fevereiro de 2016, o seu programa tornou-se, como pretendia, “janela de exibição de todas as expressões artísticas”, ele afirma, incluindo convidados da dança, cultura popular, música, literatura, teatro e as tradicionais playlists, que chegaram a rodar quase 500 músicas por dia. “É muito grande o encantamento por essa possibilidade. A classe artística é muito consciente do papel da emissora pública. Claro que a gente poderia ter um feedback maior, mas isso é um processo de construção como qualquer canal desse jeito”, reflete Patrick.
Com a caminhada, impulsionada com a inauguração no dia 28 de junho no Paço do Frevo, rompeu-se também a descrença em um dos veículos de massa mais antigos, sendo que a Frei Caneca já possui 7 mil curtidas no Facebook. A audiência, contudo, não é causa, mas consequência, quando o assunto é comunicação pública. “Pensar no ouvinte acima de tudo como cidadão, não apenas como cliente, não mensurando tanto a audiência. Esse veículo de comunicação precisa estar a serviço desse cidadão”, explica a apresentadora Nice Lima, que estreou com o Salada Pop em Junho deste ano.
Além de músicas, poesia, entrevistas e notícias compõem o conteúdo do programa, sempre relacionado à cidadania. Entre os temas já abordados estão a Lei dos Agrotóxicos, história da TV Universitária, fotografia documental, representatividade negra em contos infantis, Fundo Malala e educação de meninas no mundo, entre outros. “Além disso, a seleção musical também é pensada a partir dessa questão de identidade e representatividade, abordando compositores e compositoras negros e negras, LGBTI”, explica Nice.
O último a estrear, Batucada, de Iara Lima, expande os círculos fechados do samba na cidade, apresentando clássicos, revelações e entrevistas. Natural de Belém do Pará, foi em Recife que Iara conheceu João do Morro e adentrou no universo do samba. “Podemos conversar com gente de produção, mestres-salas, sambistas (e sambista é a palavra que define quem ama e frequenta samba). A ideia é franquear o espaço, que é público, a um público que normalmente não possui local ou espaço de fala”, explica.
Elias Paulino (grupo Terra) e Selma do Samba são alguns dos nomes que já passaram pelo programa. As ondas sonoras do rádio complementarão as duas formas mais efetivas de propagação do gênero, segundo Iara Lima, o “boca-a-boca” e o WhatsApp. Por esse último, aliás, circularam os vídeos e gravações da estreia da primeira edição do Batucada. “No boca a boca descobri o Samba de Pedro Vei (em Santo Amaro) e pelo WhatsApp fico sabendo de toda a agenda, sempre divulgada em formato de cards. Tudo isso pra explicar que, sim, o programa teve um feedback assustador”, conclui.
Através do edital Interprogramas e de Ocupação da Grade de Programação, 14 projetos foram selecionados para veiculação durante um ano na Frei Caneca, entre 2018 e 2019. A expectativa é que a estreia ocorra em Agosto, com propagação de conteúdos sobre frevo, cinema, rock, infantil, direitos humanos e cidadania.
Entre eles, o Rádio Na Real (estreia em 6 de agosto) saiu diretamente dos estúdios de gravação da Universidade Católica de Pernambuco, onde era feito um projeto de extensão, sob orientação da professora Andrea Trigueiro, com alunos da rede pública de ensino. A equipe da Rádio Escola, chamados de “Imprensa Mirim”, foi contemplada com iniciativas educomunicativas, aprendendo a técnica do rádio por meio dos graduandos.
O resultado foi, inicialmente, um podcast sobre política, e agora nove programas sobre direitos humanos que será transmitido na Frei Caneca. “Tem muito trabalho incrível sendo desenvolvido nas universidades que na maioria das vezes não tem oportunidade de pular os muros dali. Eu acho que o rádio é um veículo extremamente potente e fortalecedor de ideias. Fizemos programa sobre homofobia, racismo, direitos LGBT, igualdade de gênero, intolerância religiosa”, afirma Laís Arcanjo, uma das integrantes da Rádio na Real.
Já o Recife Lo-Fi (estreia em 9 de agosto, quinta-feira, às 20h, com reprise sábado à tarde) mostrará toda a força da produção independente, sob locução de Zeca Viana e Kamila Ataíde. Em 2010, Zeca começou com o desafio de produzir coletâneas de artistas locais com músicas gravadas em casa, totalizando 5 volumes produzidos durante 7 anos, que traz nomes como Tagore, Johnny Hooker, Feiticeiro Julião, entre outros.
Auto-formação é a chave para quem produz em Lo-Fi (termo que designa um estilo de produção). “É importante ouvir com um ouvido analítico, separar mentalmente elementos de uma mixagem, buscar referências e entender como funcionam as várias formas de gravar”, explica Zeca, que, além das gravações, veiculará entrevistas gravadas na rua, nos eventos da cidade.