O projeto elaborado pelo governo federal que visa amenizar o impacto do risco hidrológico nos resultados das geradoras de energia deve beneficiar os investidores que detêm ações dessas empresas. O modelo, estruturado a partir da medida provisória (MP) 688, impulsionará os lucros das geradoras e, consequentemente, a distribuição de dividendos, caso as condições previstas na MP permaneçam inalteradas e sejam transformadas em lei. Os ganhos poderiam ser contabilizados nos balanços do quarto trimestre, com efeito direto na distribuição de dividendos em 2016.
A melhoria dos resultados das geradoras viria da decisão federal de estabelecer que o modelo de repactuação de risco hidrológico proposto no mês passado tem efeito retroativo a 1º de janeiro. Com isso, grande parte das despesas contabilizadas pelas empresas com a compra de energia, originadas no déficit de geração hídrica (GSF), seria "revertida" tão logo as geradoras venham a aderir ao modelo proposto na MP 688. O montante a ser recuperado depende das condições finais da lei sobre repactuação de risco, um texto que está em fase de audiência pública até esta terça-feira.
No momento, explicam especialistas consultados pelo Broadcast, o entendimento é favorável às empresas que tiveram perdas com o GSF na primeira metade do ano. Como o projeto prevê a eliminação do risco do déficit hídrico, as empresas poderiam contabilizar montante semelhante sob a forma de recuperação de despesas. O valor "recuperável" seria um pouco inferior ao total das despesas oriundas do GSF porque a MP 688 prevê que o gerador também terá de assumir o pagamento de um prêmio de risco em contrapartida ao fim do efeito do GSF.
Na prática, portanto, se uma geradora contabilizou despesa de R$ 300 milhões com a compra de energia, e o prêmio a ser pago por ela for de R$ 100 milhões, essa mesma empresa teria R$ 200 milhões associados a uma espécie de despesa a recuperar. Esse montante será utilizado, ao longo dos meses seguintes, para compensar o pagamento do prêmio futuro. "Acredita-se que no quarto trimestre haverá um estorno expressivo de despesa, o que melhorará significativamente o balanço dessas empresas", salienta o líder da área de Energia da PwC Brasil, Roberto Correa.
"O que acontecerá em 2015 é que essa parcela maior (de despesa com GSF) estaria no balanço não como despesa, mas como um ativo, algo como uma despesa pré-paga", complementa o sócio da Ernst & Young (EY) e especialista no setor Elétrico e de Saneamento, Marcos Quintanilha. "Em 2016, como esse valor já foi pago, haveria um débito na conta de passivo, de contas a pagar, e um crédito na conta do ativo", complementa o especialista, que também coordena o grupo de estudos que trata de assuntos do setor elétrico no Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon).
A particularidade acontece justamente porque o efeito previsto na MP 688 é retroativo. Ou seja, as empresas já efetuaram desembolsos relativos ao risco hidrológico do primeiro semestre, e agora teriam um valor a receber. Ao invés de reincorporar esse montante, seria criada uma espécie de estoque a ser utilizado no pagamento mensal do prêmio de risco, ou seguro, como tem sido chamado por especialistas do setor elétrico.
Balanços
Embora o governo tente acelerar o processo de aprovação da MP 688 e a transformação do texto em lei, é esperado que o efeito contábil seja percebido no balanço das empresas apenas durante o quarto trimestre. Seria nesse momento, portanto, que a despesa com GSF seria "recuperada", no caso das empresas que venham a aderir ao texto proposto pelo governo federal.
O grau de adesão das geradoras ao modelo ainda não dá para dimensionar, uma vez que existem indefinições em relação ao texto da MP, a começar pelo valor do prêmio a ser pago por cada empresa. Há também particularidades entre os contratos do mercado regulado e os acordos do mercado livre que podem tornar a adesão mais ou menos atrativa.
"A decisão dependerá de cada empresa. Para uma empresa que está no mercado regulado e não pretende ficar exposta a riscos, a decisão pode ser mais fácil do que para uma empresa que está no mercado livre e, mesmo ao pagar o prêmio de risco, apenas mitigará o risco do GSF", analisa o sócio da Deloitte, Marcelo Magalhães Fernandes. A maior parte das empresas possui contratos nos mercados regulado e cativo, e por isso a decisão tende a ser complexa.
Ao aderir à MP, a empresa precisará abrir mão da disputa judicial que marcou o segmento de geração de energia durante o primeiro semestre do ano. Foi a partir da obtenção de liminares que as geradoras se protegeram contra o efeito do déficit hídrico. Essa é uma das contrapartidas exigidas pelo governo federal para o modelo de repactuação do risco hidrológico.
Às geradoras, por outro lado, a adesão poderá implicar na extensão do prazo de concessão, caso o montante contabilizado como despesa de compra de energia não possa ser recuperado durante o prazo da concessão vigente. A esse período, estima o governo federal, poderá haver um acréscimo de até 15 anos, número considerado superavaliado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na prática, afirma Quintanilha, da EY, o montante poderia ser recuperado em um prazo de até três anos na maioria dos casos.
A MP 688 determina a restrição do risco hidrológico para as geradoras e representa um atendimento ao pleito das empresas. Desde o ano passado, com a redução do volume de chuvas e a necessidade do acionamento permanente das térmicas, o déficit hídrico cresceu e começou a afetar o resultado das geradoras.
Diante da queda dos lucros e das incertezas quanto ao impacto do GSF em 2015, as empresas do setor elétrico adotaram tom de cautela em relação à distribuição de dividendos. Agora, caso a MP 688 seja aprovada, a preocupação em relação ao GSF será eliminada e os lucros das geradoras tendem a ser maiores, o que beneficiaria a distribuição de dividendos do setor.