"Se estivesse no Copom, votaria contra a subida da Selic e pela manutenção no nível atual." Assim, dessa forma direta, o economista e consultor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC), explica sua posição no debate atual sobre a política monetária.
E acrescenta, para que não haja confusão sobre sua posição: "Nunca 'dei mole' para a inflação, sempre joguei no time daqueles que acham que tem que olhar para a meta - só que, nas circunstâncias de hoje, subir a Selic é errado."
Preocupado com sinalizações de alguns membros do Copom sobre uma possível nova elevação da Selic e o início de um novo ciclo de alta da taxa básica de juros, Pastore alerta: "O BC comandado pelo (Alexandre) Tombini já cometeu muitos erros. Há o erro histórico do cavalo de pau de 2011 (em agosto, quando o Copom surpreendentemente reduziu a Selic), sobre o qual eu escrevi na época, tendo sido muito criticado. Se eles subirem a Selic agora, será outro erro histórico."
Pastore baseia sua visão em duas linhas de argumentação. A primeira é a "função de perdas" do Banco Central. A segunda é a crise fiscal. Em relação à primeira, explica que os bancos centrais trabalham com dois custos. O primeiro é a diferença entre a inflação e a meta. Se a inflação está acima da meta, isso representa um custo para a autoridade monetária, que tem que ser reduzido com a elevação da taxa básica de juros.
Mas a elevação dos juros gera um segundo custo, que a queda do PIB atual em relação ao PIB potencial. O BC equilibra as suas ações entre esses dois custos.
O PIB está "um caminhão" abaixo do potencial. Tomando-se a datação do Codace, o atual ciclo recessivo iniciou-se no segundo trimestre de 2014. Logo, a partir do pico do primeiro trimestre de 2014, o PIB já caiu 6%. Com queda adicional provável acima de 1% no último trimestre de 2015, o recuo já alcançará 7% e pode continuar a aumentar em 2016.
"Nunca vimos uma queda do PIB e um hiato do produto desse tamanho na história do País e isso, queiram ou não queiram, está produzindo alguma força desinflacionária na economia", diz Pastore. Assim, ele continua, "subir a taxa de juro ainda mais é crer que essa força deflacionária é insuficiente e que é preciso fazer uma recessão ainda pior".
No caso de elevação do juro, a inflação pode cair mais (do que se a Selic for mantida), mas isso também se dará de forma lenta gradativa, enquanto o custo de aprofundar uma recessão que já é terrível também aumentará.
Problema fiscal
A sua segunda linha de argumentação parte do "problema fiscal gigantesco". Ele começa por dizer que não tem nenhuma evidência de que o Brasil esteja em dominância fiscal, fazendo alusão à tese de doutorado em Princeton do economista Eduardo Loyo, ex-diretor do BC. A tese, como outros trabalhos acadêmicos sobre o tema, descreve circunstâncias em que há uma inversão dos efeitos da política monetária e uma alta de juros faz subir, e não cair, a inflação.
"O próprio Loyo, que como eu tem grande respeito pelo exercício intelectual da tese, acha que nós não estamos em dominância fiscal e que a política monetária ainda tem eficácia - portanto, não vou construir um argumento terrorista dizendo que estamos em dominância fiscal", diz Pastore.
Feita essa ressalva, ele observa que várias forças têm levado à depreciação do real. Entre elas, a própria valorização internacional do dólar e a queda de preço das commodities. Mas estes fatores não explicam por que há um ano o câmbio estava a R$ 2,50 e o credit default swap (CDS, instrumento financeiro que é uma espécie de seguro contra calote e funciona como medida de risco de crédito) dos títulos soberanos do Brasil estava em torno de 250 pontos-base (centesimais) e, hoje, o câmbio está em torno de R$ 3,90 e o CDS acima de 500.
"A correlação entre o câmbio e o CDS é enorme, e o CDS subiu por causa do risco de não sustentabilidade da dívida pública que, aliás, já nos levou a perder o grau de investimento de duas agências de rating (S&P e Fitch)", continua Pastore.
Dupla crise
Para o economista, o Brasil vive uma dupla crise fiscal e política, e o governo não tem nem o diagnóstico correto nem o poder de implementação em relação ao imenso problema das contas públicas. "Não é um ajustezinho, com um corte aqui e outro lá, alguma receita não recorrente, essas coisas. É necessário ter uma agenda de reformas estruturais, reforma de Previdência com idade mínima de aposentadoria, desindexação do mínimo de benefícios, o que hoje atinge 65% da despesa obrigatória, etc", argumenta.
Para Pastore, "o Joaquim (Levy) fez alguma coisa, mas uma fração muito pequena do que precisava ser feito". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.