A devolução antecipada de cerca de R$ 100 bilhões dos empréstimos de longo prazo feito pelo Tesouro Nacional entre 2009 e 2014 ameaça o crescimento dos desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2018. Segundo o diretor da Área Financeira e Internacional, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, com os sinais de crescimento maior que o esperado, pode haver alta na demanda por empréstimos, mas o fluxo de caixa do banco de fomento não comportaria uma alta nos desembolsos junto da devolução bilionária.
Como revelou à Agência Estado, a equipe econômica pedirá cerca de R$ 100 bilhões ao BNDES. Freitas confirmou que o banco negocia a devolução, mas os valores não estão definidos, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles disse na quarta-feira. A definição do montante dependerá da análise do fluxo de caixa do BNDES. "Temos de sentar com o Tesouro e ver como eu posso atender ao desejo de abater a dívida bruta e, ao mesmo tempo, ter condições de emprestar para o País continuar crescendo", afirmou Freitas.
A equação envolve, de um lado, a expectativa de que a recuperação econômica seja acompanhada de mais pedidos de financiamento. Ano passado, o BNDES liberou R$ 88,257 bilhões para empréstimos já aprovados, menor nível anual desde 2001, em valores atualizados pela inflação. No acumulado de janeiro a julho, os desembolsos somaram R$ 40,372 bilhões, queda real de 20% na comparação com igual período de 2016.
"O investimento está muito fraco ainda, mas há o chamado efeito mola. Quando começar a melhorar de novo, o investimento vai superar fortemente o consumo das famílias", disse Freitas, completando que, atualmente, só o BNDES oferece crédito de longo prazo: "Com a economia voltando a crescer, vai ter uma demanda maior pelo longo e o banco vai ter de atender".
De outro lado, o funding do BNDES está pressionado pelos déficits do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte constitucional do banco, e pela decisão do governo de liberar saques das contas antigas do PIS/Pasep.
Mesmo assim, no dia 30 de agosto, uma fonte da equipe econômica disse ao Estadão/Broadcast que a devolução de R$ 100 bilhões não comprometeria porque o BNDES encerrou o primeiro semestre com R$ 170 bilhões em caixa. Só que, segundo o superintendente da Área Financeira e Internacional do banco, Selmo Aronovich, parte relevante do ativo do BNDES não tem disponibilidade imediata, pois está vinculada a compromissos específicos.
É o caso do Fundo Amazônia, formado por doações do governo da Noruega, e do fundo do PIS/Pasep, formado pelos por depósitos anteriores a 1988 nas contas individuais dos trabalhadores. Os recursos são operados pela Caixa Econômica Federal e pelo Banco do Brasil, mas estão sob responsabilidade do BNDES. No dia 23 de agosto, o governo Michel Temer anunciou que liberará saques de R$ 15,9 bilhões, para cerca de 8 milhões de trabalhadores.
Aronovich evitou informar o valor do caixa do BNDES, pois "é uma informação bancária reservada". "Muitas vezes, o que sai, como R$ 170 bilhões, superestima, em muito, a real disponibilidade de recursos", disse o superintendente. No caso do fundo do PIS/Pasep, o saldo é de R$ 32 bilhões, que precisam estar disponíveis para devolução integral, disse Aronovich.
Outra ameaça para a equação financeira do BNDES é o FAT. O fundo foi criado em 1988 para receber os recursos do PIS/Pasep daquele ano em diante e custear o abono salarial, o seguro-desemprego e o BNDES - 40% da receita anual vai para o banco. Nos últimos anos, o FAT tem registrado déficits, exigindo aportes bilionários do Tesouro.
A legislação diz que, se faltarem recursos para pagar seguro-desemprego e abono, o BNDES é obrigado a devolver o dinheiro ao FAT. Há alguns anos, o BNDES mantém negociação com o Ministério do Trabalho sobre isso. O banco já ameaçou recorrer à Justiça. Segundo Aronovich, a preocupação é maior para 2018. Para este ano, os valores envolvidos na negociação são "muito menos" do que R$ 10 bilhões. "Para o ano que vem, a soma é de outra magnitude, é bem grande."
Mesmo com dificuldade em fazer a conta fechar, Freitas deixou claro que o BNDES seguirá a determinação do Tesouro. "Se o governo quer que o banco desembolse menos, o banco vai desembolsar menos. É uma decisão de governo."