O Congresso argentino aprovou nesta terça-feira (19) a polêmica reforma previdenciária do país, crucial para o governo Mauricio Macri, num debate que foi marcado por episódios de violência em Buenos Aires e por protestos de rechaço à reforma. As discussões no Congresso começaram na segunda-feira e foram seguidas por confrontos violentos entre milhares de manifestantes e a Polícia, que deixaram dezenas de feridos, detidos e um rastro de destroços nas redondezas do Congresso.
A situação econômica da Argentina é pior que a do Brasil, mas a reforma da Previdência brasileira é até mais urgente. Isso porque a população é mais jovem e quando envelhecer vai pressionar a já deficitária conta. O sistema brasileiro também separa a previdência dos servidores públicos, que têm ganhos maiores, dos trabalhadores da iniciativa privada, que impactam menos o sistema.
A Argentina seguiu por vários anos políticas econômicas insustentáveis e, no governo Macri, desenterrou a agenda de reformas para tentar estabilizar a economia do País, que ainda sofre com déficit fiscal, inflação de dois dígitos e taxas de crescimento e investimento baixas. O país ainda sofre com a pobreza, que atinge cerca de 16% da população e grande nível de desigualdade social. Na Argentina, os 10% mais ricos da população ganham 26 vezes mais que os 10% mais pobres.
Macri quer elevar a idade de aposentadoria, de maneira opcional, de 65 para 70 anos, para os homens, e de 60 para 63 anos, para as mulheres. A reforma pretende reduzir o déficit fiscal calculado em 5% do Produto Interno Bruto (PIB). O objetivo é diminuir um quinto do déficit. Embora tenha conseguido ganhar a primeira batalha, o governo ainda quer a provar uma série de reformas, entre elas a trabalhista e outra fiscal na segunda metade de seu mandato.
“O déficit impacta diretamente a economia da Argentina no futuro. São 17 milhões de aposentados para uma população de 43 milhões”, diz o analista do Grupo L&S, Alexandre Wolwacz. “A economia da Argentina está combalida e a quantidade de pessoas que se valem da Previdência é grande em relação a quem produz”, salienta.
Em relação ao Brasil, a economia da Argentina é mais frágil, com um PIB de US$ 546 bilhões (em 2016), além de uma população menor e mais velha, com taxa de desemprego de 9,2%.
As cenas de violência retratadas nas ruas de Buenos Aires dificilmente vão se repetir em fevereiro, mês para o qual está marcada a reforma brasileira. Isso porque o sindicalismo argentino tem uma presença mais forte e, no Brasil, a reforma trabalhista tende a reduzir o grau de influência das entidades sindicais, principalmente com o fim da contribuição sindical obrigatória. Apesar das melhoras nas contas, as medidas de controle fiscal do governo Macri ainda não surtiram um resultado esperado. O mesmo deverá acontecer com a reforma da Previdência. “Quando se faz uma reforma em países como Argentina e Brasil, o efeito só aparece em cinco anos, não é imediato”, diz Wolxacz. Por isso, acredita, a reforma argentina não deverá sensibilizar os parlamentares brasileiros.
No Brasil, o novo texto mais enxuto da reforma ainda está sendo finalizado pelo relator, deputado Arthur Maia (PPS-BA), para se adaptar às negociações do governo de Michel Temer (PMDB), que reduziu o impacto das medidas para tentar aprová-la. Por aqui, as mudanças incluem idade mínima de 65 para homens e 62 para mulheres, com regras de transição e benefício integral somente para quem contribuir por 40 anos, com tempo mínimo de 15 anos de contribuição. Se aprovada, a nova Previdência vai representar uma economia para os cofres públicos de 60% da proposta original, pouco menos de R$ 480 bilhões em uma década, ou R$ 320 bilhões a menos do que o previsto inicialmente.
Hoje a Previdência tem um déficit de cerca de R$ 170 bilhões anuais, ou 9,1% do PIB, segundo estudo da OCDE, e poderia chegar a 16,8% em 2050, o maior do mundo, se nada for feito.
Para o economista-chefe da Nova Futura, Pedro Paulo Silveira, o texto mais enxuto não deverá passar no Congresso porque os deputados estarão preocupados com suas reeleições em 2018. Além disso, esse texto não reduzirá privilégios. Silveira faz outra crítica, lembrando que as contribuições de PIS/Cofins e CSSL foram criadas com a Constituição de 1998 para suprir o déficit previsto quando a aposentadoria rural foi integrada à das pessoas das cidades. Mas essas contribuições passaram a ser incorporadas ao caixa único do governo. Até setembro esses tributos geraram R$ 250 bilhões.