Para entender como as disputadas linhas telefônicas fixas de ontem se tornaram o smartphone 4G (a caminho do 5G) e a internet cobiçada via fibra óptica de hoje, é preciso acompanhar a história. Era o final do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso quando a Telebrás foi privatizada, em 1998. Um ano antes, o governo já havia privatizado outra grande empresa nacional, a Companhia Vale do Rio Doce. Na época, pretendia-se livrar o Estado dos pesados investimentos que essas empresas exigiam, e que ameaçavam onerar, mais ainda, a dívida pública, já na casa dos US$ 296 bilhões.
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O leilão da Telebrás na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro durou quatro horas. O governo colocou à venda sua participação acionária de 20% na estatal, desmembrando o sistema em 12 empresas, sendo oito da recém-chegada telefonia celular. O Brasil entrava na era moderna da telefonia.
Antes da privatização, um simples telefone fixo era um patrimônio que fazia parte da lista de desejos de qualquer brasileiro, logo após a casa própria e o automóvel. O objeto era tão valioso que precisava, inclusive, constar na declaração de Imposto de Renda.
Em 1998, quando a Telebrás foi privatizada, Pernambuco registrava 471 mil telefones instalados. O preço “oficial” da linha fixa era R$ 112,12 mas, como a demanda era muito alta, a espera para se ter um telefone em casa, ou na empresa, podia chegar a cinco anos, estimulando o aparecimento do mercado paralelo. Na mão de comerciantes particulares, um telefone fixo chegava a custar 20 vez mais, dependendo do bairro. Se fosse para uso comercial, o preço subia até 30 vezes acima do valor oficial. Existiam até locadoras de telefones, e muita gente se sustentava com o aluguel de linhas telefônicas, como hoje acontece com casas e apartamentos. O Brasil tinha na década de 90 um déficit de 13 milhões de linhas.
O empresário Alcides Pires, lembra as dificuldades daquela época: “Na década de 90 não havia plano de expansão telefônica para o meu bairro e tive que alugar um telefone residencial. Eu pagava um salário mínimo e meio pelo aluguel; em dinheiro de hoje, algo em torno de R$ 1.500”, diz Alcides. O empresário foi testemunha de como o setor evoluiu depois da entrada do capital privado.
Ele fundou em 1994 a Midiavox, empresa especializada em telefonia computadorizada para uso em call centers, outro ramo impulsionado pela desestatização. Alcides disse que, no início, a burocracia estatal emperrava tudo. “Não haviam licitações, e, quando havia, era um jogo de cartas marcadas. Quando a privatização aconteceu e, com ela, chegou a concorrência, o ambiente de negócios melhorou muito”. Hoje, a Midiavox tem seus softwares de automação telefônica rodando em empresas de 30 países. “Também para o consumidor o ganho foi muito grande. Hoje temos praticamente um celular para cada brasileiro e os preços das linhas caíram muito”, resume o empresário.
Cinco anos antes da entrada do capital privado, os primeiros “telefones móveis” eram vendido pelas telefônicas estatais. Os celulares pioneiros eram grandes, pesados, e as baterias duravam, quando muito, metade de um dia. Em Pernambuco, as vendas eram feitas pela Telpe Celular, que foi adquirida pela TIM, com a privatização. O número de linhas era limitado, e era preciso esperar de até 90 dias para poder levar o aparelho para casa, junto com a linha (não existiam os chips). A funcionária pública Josie Silva esperou na fila uma manhã inteira, para comprar o seu primeiro telefone móvel. A Telpe Celular ficava no Bairro das Graças, tinha que chegar cedo, pegar fila e preencher uma ficha, ela relembra. “Celular era um artigo de luxo. Devo ter pago uns R$ 400 pela linha, o que na época era muito caro, fora o aparelho.”
Os celulares funcionavam na chamada Banda A, por rádio frequência, e eram comuns problemas como linha cruzada e falta de sinal. Com a chegada da banda B, digital, e a concorrência da multinacional BCP (adquirida pela Claro), o preço do celular vendido pela Telpe caiu 78%.
Para o diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular (SinditeleBrasil), Carlos Duprat, houve progressos inegáveis mas, segundo ele, o setor não evolui com a devida velocidade por conta do que ele chama de foco arrecadatório. “O que se paga de imposto pelo setor é absurdo, mais de 60 bilhões ao ano”, reclama.
Duprat afirma ainda que, a partir da privatização, grandes empresas globais passaram a contribuir para a modernização do sistema, trazendo o que acontece lá fora para o Brasil com uma diferença de tempo insignificante, segundo ele. “Quando a internet começou a se popularizar no mundo, também começou aqui.” Para Carlos Duprat, os números que temos hoje reafirmam a boa estratégia de privatização que tivemos. “Podemos nos gabar de ter conseguido reduzir os preços do minuto de celular, que hoje é 8% do valor que era em 1998. Na época, era cerca de R$ 1,00, hoje custa R$ 0,09 centavos.” O executivo diz que, com isso, a telefonia até contribui para a redução da inflação.
O representante do SinditeleBrasil diz ainda que o Brasil tem cerca de 200 milhões de celulares, em 98 eram sete milhões. “Hoje tem gente que não tem saneamento, mas tem celular”, afirma.
Para o advogado da Pro Teste, entidade nacional de defesa dos consumidores, Renato Santa Rita, mesmo depois de 20 anos, alguns problemas da telefonia brasileira ainda não foram resolvidos, como o alto custo das tarifas e problemas de infraestrutura. “As empresas de telefonia estão entre as mais reclamadas nos Procons. Problemas como cobranças indevidas e dificuldade de acesso aos serviços são comuns. Isso demonstra a falta de fiscalização adequada”, diz o advogado.
Renato estranha que grande parte da população de baixa renda utilize o celular pré-pago, que tem tarifas bem mais caras. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD), do IBGE, o telefone fixo, mais em conta, está presente em apenas um terço dos lares brasileiros. São cerca de 236 milhões de celulares para 40 milhões de linhas fixas. “A população menos favorecida acaba optando por usar o serviço mais caro”, diz Renato. Ele critica também os valores elevados da internet. “Hoje, a internet tem um viés social, é através dela que se pode trabalhar, vender produtos, oferecer serviços. O governo deveria subsidiar uma internet mais barata para os pequenos empreendedores”, afirma.