Em pouco mais de seis meses, o estudante de educação física Marcone Trigueiro, 26, viu a conta de energia do apartamento que divide com outros três amigos, no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife, dobrar. De uma média de R$ 80, o valor cobrado pela luz passou para R$ 160. O alto custo, somado a outras despesas do jovem, fez com que ele e o restante dos moradores não conseguissem mais quitar o débito na data de vencimento, chegando ao extremo de ter a energia suspensa. O caso de Trigueiro soma-se ao de outros milhares de brasileiros que, segundo o Serasa Experian, ajudaram a aumentar para 61,5 milhões a conta de inadimplentes no País, até mesmo em serviços essenciais como água, luz e gás.
“A gente chega a atrasar a conta em até 30 dias após o vencimento. Somos quatro pessoas na casa e mesmo assim tem mês que é muito difícil pagar”, conta o estudante. Segundo dados do Serasa, entre agosto de 2017 e agosto de 2018, o número de pessoas endividadas no segmento utilities (que abriga gastos com luz, água e gás) cresceu 2,1%, saltando de 17,1% para 19,2% do total de devedores.
“O que está acontecendo é que as pessoas, ao perceber que os compromissos não serão pagos, escolhem qual conta ficará inadimplente. Têm tentado preservar o crédito e o cheque especial pagando ao banco, por exemplo, para não ter problema maior no orçamento. Na hora de escolher, a opção tem sido outros tipos de credores, basicamente os não bancários”, diz o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.
Em outros segmentos, entre agosto do ano passado e deste ano, o percentual de inadimplentes chegou até mesmo a diminuir, como é o caso de bancos e cartões, que representam a maior fatia das inadimplências (28,5%), mas teve queda de 1,6% se comparado com 2017 (30,1%). “O brasileiro, por natureza, é meio descontrolado, mas o desemprego tem agravado esse quadro. Antes da crise econômica, tínhamos 50 milhões de inadimplentes, hoje estamos em quase 62 milhões”, complementa Rabi.
Se não bastasse o desemprego, os reajustes de água e luz ao longo de 2018 têm feito a conta pesar ainda mais no bolso do consumidor. Nos últimos 12 meses, a inflação medida pelo IPCA apresentou variação de 16,85% no segmento energia residencial, no Brasil. No Recife, no mesmo período, a alta foi de 21,41%. A taxa de esgoto, por sua vez, apresentou aumento de 6,52% no País e 2,79% na capital pernambucana (que teve reajuste para corrigir apenas a inflação de 2017 e pode, até o fim do ano, subir mais uma vez).
Na Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), o número de inadimplentes cresceu no acumulado até setembro deste ano 0,8%. Se comparados agosto de 2017 e 2018, a alta dos devedores foi de 1,51%. Para tentar reduzir o problema, a Compesa tem enviado todo mês cartas de negociação com descontos para pagamento à vista, além de oferecer o parcelamento dos débitos.
A Companhia Energética (Celpe) está com índice de inadimplência de cerca de 2% do faturamento. A empresa promove ações como a possibilidade de quitar dívidas em até 12 vezes no cartão, para clientes com mais de uma fatura vencida, além de negociações em todas as lojas de atendimento e eventuais feirões.
Ainda segundo a Celpe, o reajuste anual e as bandeiras tarifárias são definidos pela Aneel e estão associados ao custo da geração de energia em função do acionamento das geradoras térmicas para compensar os baixos níveis nos reservatórios de água do País.