Com a taxa básica de juros (Selic) no seu menor nível histórico (6% ao ano) e a redução dos financiamentos subsidiados, a exemplo da mudança de postura do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o mercado de capitais tem conquistado cada vez mais protagonismo como opção de capitalização de empresas no médio e longo prazo. Na teoria, o crescimento do mercado de capitais simboliza maior risco e, consequentemente, rentabilidade aos investidores, com menor custo para financiamento dos projetos das empresas via a emissão de títulos. Como resultado, traz maior possibilidade de desenvolvimento econômico e geração de emprego, com crescimento das companhias. Entretanto, na prática, o que tem se visto no Brasil é que, enquanto o mercado cresce, a taxa de investimento das companhias tem recuado, chegando ao menor nível nos últimos 50 anos (15,5%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Em se tratando de 2019, o fluxo de recursos captados pelas empresas com emissões de ações e de dívida corporativa feitas no mercado de capitais já superam os desembolsos do BNDES, atingindo R$ 278 bilhões nos 12 meses terminados em março de 2019. Esse valor é quase cinco vezes maior que o desembolsado pelo banco no mesmo período (R$ 58 bilhões). “Desde 2016, começou-se a se configurar uma política totalmente diferente no BNDES porque acabou o dinheiro e houve uma mudança de postura, com prioridade a pequenas empresas, infraestrutura e inovação. Por outro lado, em relação ao mercado de capitais, o banco deixou de ser competidor para ser praticamente incentivador”, resume o diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), Carlos Antonio Rocca.
Conforme o Cemec, as taxas anuais de juros do BNDES estão em 9,91%, ao passo que as taxas para pessoas jurídicas chegam a 19,91% para empréstimos com recursos livres. Esse cenário, combinado com um número de investidores apostando em alternativas de maior rentabilidade, tem estimulado a estruturação do mercado, que, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), pode levar a situação econômica e social do País a outro patamar.
“Quanto mais mercado de capitais, temos mais investimentos. As companhias vêm, captam mais recursos e também investem mais. Tudo isso gera benefício direto na sociedade, porque os negócios produzem mais e geram mais empregos e renda. Acaba sendo um ciclo virtuoso para a economia e sociedade como um todo”, explica a gerente de mercado de capitais da Anbima, Erika Lacreta.
Para completar o ciclo, no entanto, segundo as próprias projeções da Anbima, o Brasil levaria, no mínimo, 12 anos para chegar ao patamar dos dez países com mercado de capitais mais desenvolvidos. Essa conta considera três aspectos que traduzem o nível de maturidade de um mercado de títulos e valores mobiliários: quantidade de empresas listadas, valor de todas as empresas listadas e valor dos títulos privados emitidos por essas empresas. No horizonte de cinco anos, a partir de 2018, seria necessário um incremento de R$ 3,7 trilhões ou crescimento de 12,2% para chegar a resultados efetivos em 2022.
“Até julho (deste ano), a gente cresceu 35% no ano, isso é bastante representativo, tivemos o mercado de follow-on (empresas de capital aberto que colocam à venda mais ações) despontando e de debêntures (emissão de títulos de dívida) também. É preciso ter um cenário político econômico bom, permitindo cada vez mais segurança para os investidores”, reforça Erika.
Nas contas da Anbima, como consequência do aumento de investimento, o País poderia gerar 1,7 milhão de empregos, ter nível de investimento em 21% (montante adicional de R$ 294 bilhões) e crescimento adicional de 12,1% no PIB per capita até o fim de 2022. “Temos dois fatores que geram desestímulo ao investimento: capacidade ociosa ainda muito grande - com isso é claro que há pouca justificativa para investir - e expectativa de crescimento da demanda, que acaba sendo componente para o empresário ter confiança. Começamos o ano bem, mas a expectativa por demanda vem caindo. A maioria do mercado já fala em algo em torno de apenas 0,8% para este ano” aponta Rocca.
Desde 2018, segundo ele, houve recuperação de rentabilidade das empresas e redução do endividamento, mas isso não foi suficiente para voltar a ter mais investimento. “Cerca de 80% da queda do investimento está em dois grupos: as afetadas por políticas públicas (como Petrobras e Eletrobras) além da indústria, que parou de investir por redução da rentabilidade, e o setor de etanol”, reforça o diretor do Cemec-Fipe. Na semana passada o governo divulgou lista de estatais que serão privatizadas, fato que valorizou os papeis dessas companhias.
No Nordeste, o crescimento do mercado de capitais chega a ser menos animador em relação à possibilidade de novas frentes de captação. Na região, de acordo com a consultoria Guimarães Ferreira, que atua desde 1991 na viabilidade de negócios, mais do que BNDES, o grande fio condutor de dinheiro para desenvolvimento das empresas tem sido o Banco do Nordeste, através do Fundo do Nordeste (FNE). “Nem falamos em BNDES quando pensamos no financiamento a longo prazo para iniciativas privadas, porque o BNB por aqui costuma ser imbatível. Mas esse movimento do mercado de capitais vem de fato acontecendo, porém não vai ser sentido de um hora para outra”, analisa a diretora da consultoria, Ana Luiza Ferreira.
Conforme a consultoria, que contabiliza mais de 500 clientes desde então, um setor que conhece bem o mercado de capitais é o de Tecnologia da Informação. “Eles são basicamente forçados a entrar. Como não têm garantias reais para dar no caso de um financiamento, acabam buscando outras formas de viabilização. Tirando isso, não é algo massivo entre as empresas daqui”, confirma Ana Luiza, frisando custo e compliance necessários à entrada no mercado.