Boxes de mercados públicos do Recife são vendidos por até R$ 130 mil

Prática ilegal acontece porque fiscalização da Companhia de Serviços Urbanos do Recife (Csurb) é falha, permitindo "repasse" dos espaços
Felipe Lima
Publicado em 30/06/2012 às 16:00
Prática ilegal acontece porque fiscalização da Companhia de Serviços Urbanos do Recife (Csurb) é falha, permitindo "repasse" dos espaços Foto: Foto: Guga Matos/JC Imagem


Construídos, reformados e mantidos com o dinheiro do povo do Recife, os 21 mercados públicos da capital operam à margem da lei. Os 4.195 boxes (aqui incluídos os espaços dos chamados Centros de Comércio Popular) são “repassados” a preços que variam de R$ 30 mil a R$ 130 mil. Prática ilegal, porém comum, em vigor há décadas, oficializada em cartório e aceita sem contestações pela Companhia de Serviços Urbanos do Recife (Csurb). É o patrimônio público da cidade do Recife vendido como mercadoria por alguns particulares.

O Artigo 11 do Decreto municipal nº 25.479, de outubro de 2010, legislação mais recente para os mercados, é claro: “em estando vago ou disponível espaços ou boxes nos Mercados Públicos ou nos Centros de Comércio Popular, a Csurb dará publicidade por meio do Diário Oficial do Município, a convocação dos interessados”. Diz também que, no Art. 12, que “a permissão de uso é outorgada a título precário, oneroso, intransferível”. O “intransferível”, no Recife, fica só no papel. Tem mais: a Lei Federal 8.987, de 1995, no inciso IV do seu Art. 1º, reforça que a permissão só pode ser concedida por meio de licitação. E licitação é outro instrumento que não ocorre na prática dos mercados da capital.

A farra é escancarada. Sem se identificar, a reportagem do JC iniciou uma negociação de seis boxes em três mercados diferentes. Não existe cuidado em ocultar a ilegalidade. Basta chegar em um dos locais e perguntar a qualquer pessoa se ela conhece alguém interessado em “repassar o ponto” – eufemismo para a venda. No Mercado de Água Fria, a permissionária de dois boxes avisa que é preciso desembolsar R$ 30 mil pelos espaços. O interessado tem ainda que levar a mercadoria, que seria avaliada posteriormente, no desenrolar da transação. Confira:

“Você deu azar. Esse aqui (o box de nº 20) foi repassado há uma semana”, lamenta um comerciante no Mercado de Casa Amarela. O espaço citado, em vez de abrigar uma atividade econômica ou alguém disposto a ganhar a vida honestamente no comércio popular, não passa de um depósito de entulhos. A cem metros dali, ainda no mercado, uma permissionária confirma o interesse em vender suas permissões e pede R$ 60 mil em dois boxes, hoje utilizados como restaurante. Há até espaço para pechincha. “Vou falar com meu marido se dá para baixar.”

A terceira e última transação é referente a dois boxes no Mercado de Afogados. O pedido é de R$ 130 mil.

Para selar a transação todos os permissionários afirmaram não haver nenhuma dificuldade na Csurb, que deveria fazer cumprir a lei. Basta “oficializar” a venda em um cartório e se dirigir ao órgão. Lá, o atual dono da permissão informa a desistência e manifesta o desejo de repassá-la para o comprador. O servidor público só assina, sem questionar, sem informar que outras pessoas esperam por uma oportunidade no mercado há meses, sem lembrar que a lei proíbe esse tipo de negociação.

Conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Leonardo Accioly explica que a prática é um desrespeito às leis municipais e federais por parte dos agentes públicos, no caso a equipe da Csurb. “Moralidade, segurança e eficiência são princípios que precisam ser obedecidos pelo servidor público. Desconfiar de práticas irregulares e não coibi-las é faltar com seu dever. As permissões no Brasil exigem a realização de um processo licitatório para que sejam outorgadas. A ausência desse processo, ou seja, conceder a permissão a ‘x’ e não a ‘y’ sem qualquer critério é prevaricação. É condenável e ilegal”, resume.

Em 2011, a Csurb recolheu R$ 1.595.252,00 dos seus permissionários (os valores são pagos por mês e variam de R$ 5,48 a R$ 11,28 por metro quadrado de box, a depender do mercado). O valor é apenas 8,7% das despesas administrativas do órgão, segundo Balanço Patrimonial divulgado em abril deste ano. A maior parte dos gastos com pagamento de pessoal, manutenção regular e reformas dos mercados saem do bolso do cidadão. Aquele que confiou no poder público da cidade para cuidar do seu patrimônio. Mas este, o poder público, ao fechar os olhos para as irregularidades, só beneficia uma pequena minoria.

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