A retomada da moagem em três usinas pernambucanas coincidiu com “o fim de um sonho” para muitos trabalhadores que saíram da Zona da Mata trocando, há alguns anos, os seus empregos no setor sucroalcooleiro pelos postos de trabalho bem melhores que surgiram na construção da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Suape. Com o atual cenário de crise e desaceleração das obras em Suape, eles voltaram a trabalhar numa indústria que surgiu com os primeiros habitantes do Estado: a sucroalcooleira.
E, por incrível que pareça, a contratação das usinas para a atual moagem fez Pernambuco apresentar o maior saldo de geração de emprego entre todos os Estados do Brasil no último levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. De acordo com o Caged, o setor criou 4.142 vagas de trabalho nos canaviais e 2.062 postos na indústria, todos com carteira assinada.
Natural de Joaquim Nabuco – onde fica a sede da Pumaty –, o soldador José Leonardo da Silva de beneficiou de uma dessas vagas criadas na indústria da Pumaty em setembro último. Ele passou quase quatro anos trabalhando nos consórcios que faziam as obras da Rnest, atuando como lixador e soldador até que foi dispensado em março de 2013. “Fiquei mais de dois anos desempregado. O salário da refinaria era fictício. Só tinha lá e é de outro mundo. Além da remuneração mensal ser 50% maior, tinha benefícios como plano de saúde, plano odontológico, um cartão no valor de R$ 310 para compras mensais nos supermercados”, afirma.
O primeiro emprego de José Leonardo foi o de ajudante na casa de cana na parte industrial da Pumaty. O pai dele trabalhava como cortador de cana, atividade que nunca exerceu. O soldador concluiu o fundamental e considera uma “melhora ótima” a usina voltar a moer. “Era uma tristeza ver a única empresa da cidade parada”, diz.
Mesmo com a perda de salário e benefícios, ele se diz feliz porque a carteira de trabalho está assinada e pode obter o seguro desemprego, em caso de demissão. Atualmente, passa a semana na casa de parentes em Joaquim Nabuco e durante o final de semana vai para a casa dele, em Prazeres, no Grande Recife, para onde se mudou na época em que trabalhava na refinaria.
“A necessidade me obrigou a voltar para usina. O salário é menor do que o pago nas obras da refinaria, mas estou bem e em casa”, diz o também soldador Enildo José da Silva que ficou desempregado em março último depois de um ano e dois meses trabalhando nas obras da Rnest. Com o fundamental II completo, ele se intitula “peão de trecho”, um tipo de operário que “corre” para os locais onde estão sendo realizadas grandes construções e chegou a trabalhar no Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Brasília. “Com essa crise, as obras fecharam em todos os cantos. Só voltei a trabalhar com a carteira assinada em setembro último”, afirma. O pai dele trabalhava na parte industrial da Pumaty.
A parte industrial das usinas emprega as pessoas mais qualificadas que geralmente têm o segundo grau completo. No corte da cana, os trabalhadores demitidos das obras de Suape também sentem saudades dos benefícios e salários maiores pagos pelas empresas para fazer a Rnest. O atual cortador de cana Reginaldo Lima trabalhava como montador de andaime num consórcio contratado pela refinaria no qual passou quase dois anos, sendo demitido em janeiro último. Antes de trabalhar em Suape, passou mais de 10 anos no corte da cana em cidades da Mata Sul. “O trabalho também era pesado na refinaria, mas a diferença de salário é mais de R$ 1 mil”, conta. Com as horas extras, a remuneração mensal nas obras da Rnest chegava a R$ 3 mil, enquanto hoje ganha cerca de R$ 1,2 mil mensais. “Lá, o trabalho também era o ano todo”, lembra o canavieiro.
Tanto no campo como na indústria as usinas de cana empregam mais pessoas nos seis meses da moagem. “Na nossa avaliação, há um impacto positivo no emprego para as famílias que vivem no entorno dessas usinas que voltaram a moer durante a moagem. No entanto, a maioria desses trabalhadores vai ficar apenas com o que recebem da bolsa família e do Programa Chapéu de Palha durante os seis meses da entressafra”, alfineta o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape), Doriel Barros.
Clima é o grande temor
Mesmo com aspectos que estão levando a uma ligeira recuperação do setor sucroalcooleiro no País e no Estado, a Zona da Mata de Pernambuco vai enfrentar um desafio na próxima safra: as consequências de mais um El Niño, fenômeno climático que provoca estiagens que vão do Semiárido do Nordeste até o litoral, dependendo da sua intensidade. “Ainda é cedo, mas a quebra da safra deve ficar entre 9% e 12 por causa da falta de chuvas”, explica o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha. Na última moagem (2014-2015), foram produzidas 15,3 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no Estado. A expectativa é de que a próxima colheita seja de 13,8 milhões de toneladas.
Na safra 93/94, os efeitos do El Niño provocaram uma perda de safra, em média, de 33% na Zona da Mata como um todo, mas esse índice foi maior na Mata Norte que alcançou até 50% em algumas áreas. A Mata Norte é mais seca e tem uma estiagem mais severa em função do fenômeno climático. “A atual expectativa de perda da safra é menor do que a safra 93/94 porque muitas usinas como Trapiche, Olho D’Água, Petribú, São José e Santa Teresa investiram muito em irrigação”, explica Renato. A primeira fica na Mata Sul e as demais na Mata Norte.
Mesmo com a seca, a expectativa do Sindaçúcar é de que a cana-de-açúcar da atual colheita apresente um nível maior de ATR, a concentração de sacarose extraída da planta. Quanto maior o ATR da cana, mais ela vale no mercado, o que amenizaria o prejuízo pela quebra da safra.
Renato considera “fundamental” para Pernambuco a reativação das usinas que estão sendo administradas por cooperativas de fornecedores de cana-de-açúcar. “Isso significa reabertura de empregos, manutenção desses postos de trabalho e regeneração da base da economia dos municípios que estão na área de influência dessas empresas”, conta.
A seca do El Niño deve atingir mais os fornecedores de cana que têm uma menor estrutura para enfrentar a estiagem. “Há uma necessidade de um programa de segurança hídrica federal”, diz o presidente do Sindaçúcar.
Ainda na gestão de Jarbas Vasconcelos (PMDB) como governador foi desenhado um plano com a implantação de açudes principalmente na Mata Norte para diminuir a influência das secas provocadas pelo El Niño, mas somente uma parte desse projeto saiu do papel e não trouxe uma solução para a falta de chuvas na região.