Startup, aceleradora e incubação, palavras que surgiram em um ambiente corporativo (principalmente o digital) preocupado em promover o desenvolvimento rápido e orientado de negócios com alto potencial de lucro. No Recife, local onde as iniciativas tecnológicas borbulham, a metodologia de sucesso tomou um rumo inovador: negócios sociais. O conceito do Porto Social – uma aceleradora de projetos preocupados com gente – deu tão certo que está chamando atenção de todo o mundo. Iniciativas governamentais e independentes querem descobrir como a capital pernambucana conseguiu unir objetivos que para muitos ainda são tão distantes.
Em funcionamento há 7 meses, o Porto Social já recebeu comitivas da embaixada britânica, governo francês e consulado americano, que vieram o Recife entender o funcionamento da aceleradora. Instituições como o Médico Sem Fronteiras e a ONU Mulheres também enviaram representantes. No início do mês, o presidente e fundador da iniciativa, o empreendedor social Fábio Silva, palestrou em Santiago (Chile), durante a realização do Festival Internacional de Inovação Social (Fiis) – evento de empreendedorismo social realizado em sequência em sete cidades da América Latina.
“Sempre chamou nossa atenção a forma como (o Porto Social) empodera muitas pessoas para que possam fazer o bem. Conhecemos as iniciativas de voluntariado no Recife em que se discutem temas chaves para o desenvolvimento social do Brasil”, afirma um dos realizadores do Fiis Julian Ugarte, justificando a escolha de Fábio para integrar o evento.
A palestra foi realizada no dia 5, no Parque Padre Hurtado, onde vários eventos paralelos reuniam 20 mil pessoas. O saldo foi a possibilidade de incluir o Recife na agenda do Fiis de 2017. Até agora, nenhuma cidade brasileira integra o evento. “Fiquei impressionado com a receptividade das pessoas ao que está acontecendo aqui. Uma comitiva do festival virá conhecer nosso trabalho”, comemora Fábio. Na semana passada, foi a vez de membros do departamento do Facebook oferecer um treinamento aos líderes dos projetos aportados.
O que impressiona gente de tantos países é a forma como o Porto Social encara os projetos incubados. “Todas as ações já existiam antes do Porto, mas eram protagonismos invisíveis. Projetos sociais geralmente têm paixão, mas falta profissionalização”, explica Fábio. Os empreendimentos sociais foram selecionadas através de um edital aberto em março.
Durante um ano seus integrantes recebem orientações principalmente nas áreas jurídica e administrativa, essenciais para que os empreendedores tenham sucesso no longo prazo. No lugar do lucro financeiro, durante as mentorias os participantes aprendem a mensurar seu desempenho através do número de pessoas beneficiadas pelas ações. Hoje, a estimativa é que cerca de 100 mil pessoas sejam impactadas direta ou indiretamente pelas iniciativas aportadas.
Além de aprender a tornar os projetos economicamente viáveis, os incubados contam com a estrutura física do Porto Social. A aceleradora funciona em um prédio no bairro da Ilha do Leite, área central do Recife, montado com a ajuda de empresas patrocinadoras. “Melhor que financiar um único projeto é ajudar uma iniciativa que apoia dezenas. A iniciativa privada precisava de confiança para as empresas investirem”, garante a diretora executiva da Interne, Paula Meira. A empresa é a principal patrocinadora do Porto, proprietária do prédio cedido para a aceleradora.
“Apoiar projetos sociais, do ponto de vista das empresas, é um diferencial mercadológico. Os produtos são muito parecidos para o público e ter sua imagem ligada à promoção do bem comum atrai mais consumidores”, analisa Fábio. Sua expectativa é criar uma rede de iniciativas confiáveis capazes de atrair cada vez mais empresas interessadas em promover o empreendedorismo social.
Carlos Alberto (esq.) fundou o Dons do Silêncio com o apoio do Porto Social (Foto: Guga Matos/ JC Imagem)
O primeiro edital aberto pelo Porto Social contempla projetos em nove áreas (confira na arte no topo da página). A ideia é diversificar as iniciativas para que os resultados sejam mais amplos na sociedade. Dos 50 inicialmente selecionado, apenas cinco não continuaram aportados. Os demais já colhem os resultados das capacitações.
A partir das mentorias, o que era apenas uma ideia já se transformou no Instituto Dons do Silêncio, que ensina música para surdos. “Cheguei lá com ideias que vinha construindo ao longo de 20 anos. Foi um divisor de águas. Aprendi muito sobre gestão e agora quero ganhar o mundo”, diz Carlos Alberto Alves, fundador do instituto. Pedagogo e músico, ele conta hoje com 12 alunos, sendo apenas dois deficientes visuais. Seu objetivo é aumentar esse número até formar a primeira banda filarmônica inclusiva do Recife.
Já o projeto Estrela Cadente é uma iniciativa de assistência social que atende crianças e adolescentes da comunidade da Vila Santa Luzia, na Torre, Zona Oeste do Recife. “Hoje temos 50 crianças atendidas e um cadastro de reserva de mais 112. Durante esses meses conseguimos fazer conexões com outros projetos, ampliar nosso leque de atuação”, comemora a coordenadora da iniciativa, Elzanira da Silva.
Outro exemplo bem diferente é o da empresa BeOne Tech. Através de várias parcerias, ela está desenvolvendo um tratamento paliativo através de fototerapia para a doença conhecida como “pé diabético”. “No início surgiram várias empresas interessadas em financiar a pesquisa, mas para depois ter um retorno financeiro. Nossa intenção é conseguir atingir o maior número de pessoas possível”, afirma o estudante fundador da iniciativa, Caio Guimarães.