“Alô, qual a carne posso levar? Qual a marca que disseram que estava estragada?”. O diálogo por telefone era entre uma consumidora e o esposo em um supermercado no Recife. As dúvidas com a falta de informaçãos transpareciam na hora da escolha e ela acabou levando peixe ao invés da carne vermelha.
O sentimento é reflexo imediato da operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal anteontem, que atingiu os maiores frigoríficos do País e levantou suspeitas sobre o pagamento de propina a fiscais do Ministério da Agricultura para liberar produtos estragados e com certificados sanitários adulterados.
A reportagem do JC percorreu três supermercados de redes diferentes e os produtos das marcas envolvidas na investigação – JBS, dona da marcas Friboi, Seara e Big Frango, e a BRF, à frente da Sadia e da Perdigão – continuavam expostos nas gôndolas.
Segundo os gerentes das lojas, que conversaram com a reportagem sob a condição de não terem os nomes divulgados, não foi repassada nenhuma orientação sobre a retirada dos produtos. Eles acreditam que a fiscalização dos órgãos de controle deve aumentar a partir da segunda-feira.
No setor de embutidos a desconfiança é ainda maior e alguns clientes faziam várias perguntas para os funcionários antes da compra. A aposentada Severina Alves, 64 anos, preferiu não arriscar e levou peixe ao invés da charque.
“Eu fiquei com medo, vou pensar antes e depois vou comprar. Vou ver quais estão liberadas. Por ora, comprei peixes e ovos. Fiquei com medo ao ver a cor da carne, a qualidade”, disse ela, acrescentando que uma das favoritas na hora da feira era a charque da Friboi.
A professora Hilda Santos, 59 anos, percorria o setor de frios de um supermercado na Zona Norte e olhava os preços e as marcas dos itens. Ela passou pelas carnes, pegou e preferiu levar o frango.
“Não sou a maior fã de carne e agora é que vou ficar um tempo sem comprar mesmo. São muitas marcas envolvidas e, às vezes, você compra e não vê claro o nome da empresa”, afirmou. “É um absurdo, indiretamente eles são assassinos por fazerem isso. Eles brincam com a saúde dos outros”, criticou.
A solução encontrada pela administradora Fátima Cabral, 60 anos, foi procurar uma marca que não estava citada na investigação da Polícia Federal. “Vi a lista e tentei comprar uma que não tivesse sido citada, porque não quero deixar de comer carne”, comentou.
A falta de explicações sobre as marcas investigadas e os malefícios que podem trazer à saúde do consumidor também se estende para os órgãos de controle. Nos sites dos órgãos nacionais de fiscalização, como o da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há qualquer referência sobre os casos.
A operação Carne Fraca investiga 30 empresas, incluindo fornecedoras de grandes frigoríficos. Suspeita-se que elas estavam envolvidas em organização criminosa formada por fiscais agropecuários federais e as próprias empresas que, entre outros atos ilícitos, colocam à venda nas gôndolas dos supermercados carnes podres maquiadas com ácido ascórbico, um produto potencialmente cancerígeno.
No âmbito nacional, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) orientou seus associados a dar prioridade à “qualidade e à segurança na comercialização dos alimentos vendidos em todas as lojas do Brasil”.