Cercada pelo Complexo Industrial de Suape, a comunidade Quilombola Ilha de Mercês, em Ipojuca, Litoral Sul do Estado, sobrevive da agricultura e da pesca há diversas gerações. Hoje são 268 famílias vivendo em 1,6 mil hectares de uma terra fértil, cortada por rios e que ainda engloba uma área de mangue. Apesar da tradição, uma novidade vem fazendo parte na vida desses trabalhadores rurais. Há menos de um mês, com o suporte de uma equipe da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTb) em Pernambuco, foi criada a Cooperativa Quilombola Ilha de Mercês (Cooperqim). Já são 26 associados que decidiram tomar as rédeas do seu negócio.
"Primeiro decidimos criar uma associação para poder reivindicar, junto ao poder público, estradas, escolas, essas coisas. Depois entendemos que precisávamos de uma cooperativa, porque a vida toda esbarramos nos atravessadores, para quem vendíamos nossos produtos. A Associação não pode fazer esse papel de venda, então nos organizamos numa cooperativa para vender melhor o que produzimos", explicou o presidente da Cooperqim, Magno Manoel de Araújo, 27 anos.
Antes, os produtores eram obrigados a repassar seus produtos a preços mais baixos para pessoas que revendiam suas frutas, verduras, crustáceos para o consumidor final. Os produtos da comunidade chegavam a ser comprados pelos hotéis de Porto de Galinhas – que fica no mesmo município – no Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa-PE), no Recife. Além de melhorar a lucratividade dos produtores, a Cooperqim chega com o objetivo de ampliar seus negócios.
"A comunidade já tem a atividade de extrativismo, e a gente fez a cooperativa com o intuito de trabalhar com a agroindústria. Para se ter uma ideia, nós colhíamos as mangas e selecionávamos as melhores para vender. As outras se estragavam. Com a cooperativa, a gente vai poder fazer poupas de frutas e vender. O trabalho agora é colocar na cabeça das pessoas que essa mudança é positiva. Os mais antigos estão acostumados com os atravessadores e é difícil fazer essa transição, mas estamos conseguindo aos poucos", disse Magno Manoel.
O potencial de mercado da Cooperqim se mostra pela amplitude de suas plantações. No ano passado, a comunidade comercializou 200 toneladas de manga. O grupo ainda produz itens como macaxeira, batata doce, mangaba, abacaxi, caju, coco verde, marisco, caranguejo, filés de siri e aratu.
A visão empreendedora surgiu através da assessoria prestada pela Seção de Políticas de Trabalho da SRTb/PE que tem incentivado a criação de cooperativas no Estado. A iniciativa dos servidores serviu para assessorar a criação de três grupos e pretende seguir ampliando sua área de atuação.
"A associação tem um papel mais político. A cooperativa vem com a questão econômica, porque ele pode vender com nota fiscal. É a estrutura de uma empresa mesmo. Uma oportunidade dos pequenos se unirem e juntos terem acesso a mercados mais restritos, ou até mesmo de editais de contratação. Essa relação direta deles com as empresas, os hotéis, faz eles venderem melhor e a outra parte comprar melhor", ressaltou o analista de políticas sociais da SRTb-PE, Vinicius Lobo.
A criação da cooperativa também reduz a pressão sobre o mercado de trabalho formal. Apesar de serem vizinhos de um complexo de indústrias que, juntas, geram mais de 18 mil empregos diretos os moradores da comunidade conviviam com o desemprego. Em Pernambuco, a taxa de desocupação, para o primeiro trimestre de 2019, ficou em 16,1%, total acima da média nacional que foi de 12,7, segundo dados do IBGE.
"A gente tem em Pernambuco poucas oportunidades de emprego. Os formais, de carteira, não chegam a 30% da população. A maior parte da força de trabalho está fora da relação de emprego. Se as comunidades se desenvolverem, os jovens vão querer ficar e não vão pressionar o desemprego nas cidades. O desenvolvimento local é importante para o cenário macro, diante da realidade de escassez de emprego", ponderou Vinicius Lobo.
É o caso do agricultor e pescador Marlon Josinaldo de Araújo, 29 anos. Recém-formado em Engenharia Ambiental e Sanitária, ele decidiu desistir de procurar emprego e passou a se dedicar às suas perspectivas de crescimento na Cooperqim. Desempregado há cinco anos, ele chegou a trabalhar na área de soldagem do Estaleiro Atlântico Sul por três anos. Antes da criação da cooperativa, ele se dedicava aos trabalhos na roça e atuava como entregador informal de um restaurante local de Ipojuca.
"A gente acorda de 5h e só vai parar pra descansar às 22h. É puxado, mas quando a gente pensa que a nossa perspectiva é promissora, vale a pena. Posso dizer que sou um dos fundadores da cooperativa e é através dela que vou trabalhar com o que gosto, que é a terra. Pretendo atuar no laboratório de criação de mudas", afirmou Marlon Josinaldo.