Preso no Uruguai, o ex-presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), Eugenio Figueredo, abriu o jogo sobre como funcionava a propina no futebol sul-americano e, segundo relatos ao FBI, acusou o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, de ser um dos líderes do esquema. Esta semana uma equipe do FBI visitará Montevidéu para trocar informações com a Justiça local.
O jornal O Estado de S. Paulo obteve com exclusividade a íntegra do depoimento dado pelo uruguaio ao FBI no dia 24 de dezembro e, em suas respostas, Figueredo alerta que não vai aceitar ser o único a responder pelas suspeitas. O dirigente foi preso na Suíça no dia 27 de maio de 2015 e extraditado no fim do ano passado para Montevidéu. Na corte uruguaia, ele é acusado de corrupção e fraude.
Ao falar das propinas pagas por empresas de tevê e marketing para garantir contratos de televisão na Conmebol, Figueredo, segundo depoimento ao FBI, revelou que tudo começou com Teixeira e Julio Grondona, o ex-presidente da Associação de Futebol da Argentina (AFA) e também ex-vice-presidente da Fifa.
Figueredo foi presidente da Conmebol entre 2013 e 2014, quando Teixeira já havia abandonado a CBF - saiu em abril de 2012. Mas o que o uruguaio fez diante dos juízes foi detalhar como o sistema de propinas foi criado quando ele ainda era apenas o presidente da Associação Uruguaia de Futebol (AUF) e nos anos anteriores à sua chegada ao poder. Figueredo presidiu a entidade uruguaia entre 1997 e 2006.
"Era tão natural que a pessoa que entrava no grupo recebia o dinheiro que cada um sabia que ia receber", disse no depoimento. "Grondona e Ricardo Teixeira começaram a ampliar os benefícios a todos. Nunca houve licitação nem concorrência para os contratos. A empresa Full Play entregou a cada um dos dez presidentes (das federações nacionais na América do Sul) US$ 300 mil para assinar um contrato."
Segundo o depoimento do uruguaio, Grondona mandava mais no futebol sul-americano do que Nicolás Leoz, o ex-presidente da Conmebol por anos. E ele (Grondona) tinha o apoio de Teixeira." O argentino morreu em 2014, antes da eclosão dos casos de corrupção no futebol mundial.
Figueredo disse no depoimento que, quando já comandava a Conmebol, "o presidente da CBF" sugeriu que ele aumentasse seu próprio salário como chefe da entidade para permitir que todos os demais membros do Comitê Executivo da organização também ganhassem mais. Em 2013 e 2014, período em que dirigiu a Conmebol, o presidente da CBF era José Maria Marin.
"O presidente do Brasil queria que eu cobrasse US$ 50 mil, assim eles ganhariam US$ 25 mil", disse. "Fechamos em US$ 40 mil, porque era ‘dinheiro doce’", explicou, usando um termo em espanhol para designar propina.
Figueredo disse ao juiz que "tudo isso (o escândalo) nasce das declarações de J. Hawilla", em uma referência ao acordo de delação premiada que o empresário brasileiro fechou com a Justiça americana após ser acusado de corrupção nos contratos de marketing e direitos de televisão com a Conmebol.
"O que temos de entender é que, em algum momento, temos de começar a dizer a verdade. Acredito que cada um precisa dizer a verdade. Não sou dedo-duro, como dizem, mas se estou nesta situação é por que alguém falou. E o único que está se esforçando por esta causa sou eu."
PROCESSO - As revelações feitas por Eugenio Figueredo diante da Justiça podem comprometer Ricardo Teixeira. Ministérios públicos da América do Sul fecharam um acordo para compartilhar informação e agir de forma coordenada no caso da corrupção no futebol.
Conforme o jornal O Estado de S. Paulo já havia revelado, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos suspeita que Teixeira tenha controlado três contas secretas em bancos na Suíça - Teixeira nega a existência dessas contas - e, além das propinas em casos relativos aos torneios da Conmebol, o acusam de corrupção no contrato entre a Nike e a CBF.
O FBI ainda levou da Suíça cerca de 50 caixas de documentos sobre as investigações relativas ao pagamento de propinas para Teixeira por meio da empresa ISL. A companhia de marketing da Fifa quebrou em 2001, e um caso apontou para o uso da empresa como uma espécie de banco paralelo para permitir que o brasileiro recebesse propinas.
O caso foi arquivado em 2012 depois que Teixeira pagou uma indenização em um acordo, mas agora os norte-americanos querem reabri-lo.
O ex-presidente da CBF, procurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, disse que a revelação de Figueredo "é estapafúrdia, sem nenhuma lógica, se é que verdade que ele falou isso". Teixeira diz que nunca participou de um contrato, nem tinha poder para isso, com a Full Play na Conmebol.
"Raciocina comigo. Eu deixei a CBF em abril de 12 (2012) e fui para os Estados Unidos. O Figueredo assumiu a Conmebol em maio de (2013). Como eu poderia participar da assinatura de contratos com a Full Play em 2013 se eu já estava fora da CBF e não era membro da Conmebol? Não tem lógica."
O contrato a que Teixeira se refere é o dos direitos de marketing da Copa América de 2015 e de 2016 celebrado pela Datisa (empresa uruguaia criada por um acordo entre a Traffic, de J. Hawilla, e as argentinas Full Play e Torneos y Competencias) com a Conmebol, em maio de 2013.
"Como eu poderia fazer parte de um contrato se não tinha cargo na Sul-Americana? Não é verdade que teria recebido esses US$ 300 mil que o Figueredo teria declarado. Esse dinheiro não entrou na minha conta. Se ele (Figueredo) disse que eu recebi, então cadê o meu dinheiro? Na minha conta, não entrou".
Sobre as revelações de Figueredo ao FBI de que o presidente da CBF teria pedido para aumentar os salários de presidentes de confederações na Conmebol quando ele, Figueredo, assumiu a presidência da entidade, Teixeira diz que é outro equívoco do dirigente uruguaio.