A palavra ‘balão’ possui diversos significados na língua portuguesa. De artigo de festas juninas a instrumento de laboratórios. Especificamente no futebol, o termo é utilizado quando um clube atravessa a negociação de um outro e acaba acertando com algum jogador ou treinador. E em Pernambuco, um dos mais famosos da história aconteceu em outubro de 2001, quando o Santa Cruz frustrou a negociação do Sport e acertou com o atacante Túlio Maravilha.
Quase vinte anos depois, o JC mergulhou fundo nos registros e ouviu as versões dos principais personagens envolvidos na polêmica, a fim de esclarecer o que de fato aconteceu e o que se tornou folclore da bola, em um dos episódios mais intrigantes no futebol pernambucano.
O Campeonato Brasileiro daquele ano já estava na segunda metade, com Santa e Sport imersos na zona de rebaixamento entre os 28 participantes. A salvação apontada por ambos seria encontrar um goleador. E os rubro-negros agiram primeiro. No que se desenhava como o ‘casamento perfeito’ com Túlio Maravilha, que aos 32 anos na época e com histórico de artilheiro por três temporadas na Série A, atravessava má fase com o Vila Nova na Série B, e viu o Leão como uma boa oportunidade.
No dia 29 de setembro de 2001, no Rio de Janeiro, à época vice-presidente do Sport, José Valadares colheu a assinatura de Túlio no contrato que teria o número 105.323 na CBF, sob o valor de R$ 2 mil salariais, com multa rescisória de R$ 100 mil e gratificação em R$ 40 mil caso o Leão avançasse para o mata-mata. Só faltava homologar.
Três dias depois (2), numa terça-feira, Túlio desembarcou no Aeroporto dos Guararapes com a camisa do Sport. “Fui recebido com banda e tudo. Me apresentei e treinei na Ilha do Retiro. Me lembro que no outro dia, de manhã, estava no jornal com a camisa do clube”, recordou.
Túlio também concedeu diversas entrevistas. Uma delas, crucial para a virada na história. Segundo relato de Valadares, confirmado pelo diretor de futebol do Santa Cruz à época, Alexandre Mirinda, o dirigente coral conversou com o então presidente do Sport, Fernando Pessoa. O assunto: desinteresse do mandatário leonino por Túlio. Sinal verde para o Tricolor.
Às 23 horas do mesmo dia da chegada, enquanto os jornais do Recife imprimiam as fotos e as frases de efeito de Túlio ‘MaraIlha’ nas páginas, a diretoria do Santa Cruz reuniu-se com o atacante e seu empresário, em um restaurante no bairro da Encruzilhada.
“Túlio não estava contratado pelo Sport. Que fique bem claro. Ele veio para Recife para discutir uma possível contratação. Apresentamos a proposta do Santa Cruz, sem fazer leilão e ele se mostrou sensível. Fomos direto na esposa dele, quem decidia tudo na carreira dele e onde iria jogar.” Relembrou Mirinda, antes de revelar a jogada fundamental. “A exigência que fizemos era que ele assinasse na negociação - que varou a madrugada - para não ter a reviravolta, que é muito comum nos casos de contratação de futebol.”
No dia seguinte (3), o cenário não demorou a mudar. O então presidente do Vila Nova, Ovídio Araújo, afirmou na ocasião que teria concedido um fim de semana de descanso a Túlio e se mostrou surpreso com a história. “Ele fez aquela onda toda, mas ainda tem contrato com o Vila Nova”, ironizou na época.
“Na hora de jogar, faltava um pagamento do Sport. Deram um cheque sem fundo”, revelou Túlio à reportagem. “Mentira dele”, segundo José Valadares, que acusa o jogador também de não ter devolvido o valor de R$ 15 mil pago pelo Sport no dia 29, com recibo assinado pelo próprio Túlio. Fato é que no dia 5, o Santa Cruz pagou a primeira das duas parcelas de R$ 25 mil ao Vila Nova. Ao mesmo tempo, precisamente às 16h55 minutos, o Sport protocolava na Federação Pernambucana o pedido de registro do contrato.
“Eles entraram com uma documentação incompleta. Ainda falta a rescisão do contrato ou o termo de empréstimo que é emitido pelo clube a quem o jogador pertencia (Vila Nova). Pelo que estou sabendo, nos papéis do Sport não consta nem uma coisa, nem outra”, declarou à época o então vice da FPF, José Joaquim, em entrevista ao JC.
Mesmo reclamando a multa rescisória em R$ 100 mil do contrato - não homologado -, José Valadares viu Túlio ‘MarArruda’ desembarcar no dia 7, com a camisa do Santa Cruz, com direito a festa pela torcida e desfile em trio elétrico até a sede tricolor.
Túlio marcou um único gol com pelo Santa, na estreia contra o Paraná. Foram apenas seis partidas disputadas, entre elas um clássico contra o Sport, onde o atacante passou em braco na vitória coral por 2 a 1, com gol da vitória marcado por Grafite, na Ilha do Retiro. No fim da temporada, os dois times acabaram rebaixados para a segunda divisão.
Aos 49 anos, Túlio voltou ao futebol profissional após quatro anos de inatividade, para disputar a Série C do Campeonato Carioca pelo Atlético-RJ, seu 30° clube da carreira. Jogou em todas as cinco regiões do país. Segundo as próprias contas, já ultrapassou a marca de mil gols marcados, assim como Pelé e Romário. Apesar da idade e todas as conquistas alcançadas, mantém boa forma física para seguir balançando as redes pelo Brasil. Confira a entrevista completa ao JC.
Até quando Túlio Maravilha vai balançar as redes?
"Até quando Deus me der saúde. Estando feliz e motivado, sou movido a desafios. Vou transpor limites. Foram mil gols com o último, em Fevereiro de 2014, jogando pelo Araxá-MG.”
Qual a sua maior meta hoje?
“A minha meta agora é passar experiência para a garotada e provar para mim mesmo que com 49 anos posso jogar em alto nível. É um sonho do presidente (do Atlético-RJ), que é botafoguense."
Pensa em se tornar treinador um dia?
"Já me chamaram algumas vezes, mas eu não tenho esse perfil e nem paciência."
Qual a sua maior lembrança de Pernambuco?
"Uma lembrança boa é que o Arruda sempre foi casa cheia. Todos os jogos, a torcida ia em massa. Lembro que, na época, a gente concentrava na arquibancada. Aquilo para mim era novidade. Fazia tempo que não concentrava dentro de um estádio."
Como foi a conversa com o Sport?
"Eu estava no Vila Nova e a princípio fui contratado para jogar no Sport. Desci no Aeroporto dos Guararapes e fui recebido com banda e tudo. Me apresentei na Ilha do Retiro e me lembro que no outro dia de manhã estava no jornal com a camisa do clube a apresentação e tudo. Fizemos o primeiro treino, mas na hora de jogar, faltava um pagamento do Sport. Deram um cheque sem fundo e eu retornei para Goiânia."
E o acerto com o Santa Cruz?
"Eles ficaram sabendo do furo que o Sport deu, foram no Vila Nova e combinaram o acerto. Uma semana depois, eu desembarquei com a camisa do Santa. Estava tudo certo. Tudo zerado. Estreei, cheguei até a marcar um gol. Era o Muricy (Ramalho) o treinador. Houve muitas mudanças e não tivemos uma sequência boa, e o time acabou caindo junto com o Sport."
O que aconteceu na saída do Santa?
"Faltavam algumas rodadas. O time estava mal no campeonato. Eu me lembro que ficou alguma coisa para trás, algum mês (em valor). Mas a gente entrou num acordo. Tinha alguma coisa para receber e como eu não estava produzindo e queria ir embora, acertamos tudo amigavelmente."
Qual foi a maior paixão de Túlio no futebol?
"Com certeza, o Botafogo. Foi o ápice. O clube mais importante da minha carreira, onde pude fazer o gol do título mais importante. Tanto que hoje eu sou botafoguense."